As Capelas dos Ossos e os Ossários foram muito comuns na Europa, havendo registos que recuam até ao século VI a.C. Uma capela, ao contrário de ossário, assume um cariz público e de permanência na vida das pessoas, aliadas também a um lado mais estético.
Em Portugal, são 6 (Évora, Alcantarilha, Faro, Lagos, Campo Maior e Monforte) as Capelas dos Ossos das quais se tem conhecimento. Todas elas se localizam a sul do Tejo, algo justificado pela presença mais forte dos Franciscanos nesta região.
A de Évora, considerada por muitos o monumento ex-libris da cidade alentejana, é a mais antiga representação deste tipo de construção no país e terá servido de inspiração para a construção das restantes. E é sobre ela que se debruça este artigo.

Memento Mori – a morte é inevitável e por isso devemos viver de forma correcta, tendo isso em conta.
No Barroco há uma estilização da morte, o que levou a que a sociedade estivesse mais ligada à fé do que à razão. O conceito de imortalidade é algo explorado pela religião, fazendo com que os fiéis tenham consciência da morte. Esta ideia deve criar-lhes também o horror à morte com ligação a uma crença na imortalidade, de modo a que os seus comportamentos enquanto vivos sejam respeitáveis para conseguirem alcançar uma vida para além da morte.
Para isso, e apoiada pela Inquisição e pelo Concílio de Trento, é dada uma grande utilização à imagem, algo que é visível na Capela dos Ossos de Évora. Como nos diz Teresa Lousa:
O papel do Concílio de Trento no reafirmar dos dogmas cristãos será determinante sobretudo na defesa do culto das imagens e na definição de uma forte agenda artística onde os estímulos se pretendem bem aptos à emoção e à comoção.


A Capela dos Ossos de Évora foi edificada no século XVII, aquando a Dinastia Filipina, e é parte integrante da Igreja de São Francisco, que remonta ao século XIII. É um monumento penitencial dedicado ao Senhor dos Passos que representa o sofrimento de Cristo na sua caminhada até ao calvário carregando a cruz.
Inicialmente, esta capela era dormitório e sala de reflexão dos frades franciscanos e foi a partir de 3 deles que surgiu a iniciativa de a tornar no que é hoje. A construção final dá-nos uma capela formada por 3 naves com uma entrada muito limitada de luz natural.
A ideia dos frades franciscanos era a de usar este local para representar a mensagem de transitoriedade e fragilidade que envolve a vida humana, algo marcado pela mensagem acima da porta que nos recebe e avisa de que todos transportamos a morte connosco:
Nós Ossos Que Aqui Estamos Pelos Vossos Esperamos

Os ossos utilizados são provenientes das sepulturas da Igreja de São Francisco e de cemitérios de outras igrejas da cidade.
Na altura, os cemitérios tinham dimensões mais pequenas do que estamos habituados hoje em dia, sendo normal que se exumasse os corpos que começavam a ocupar muito espaço para dar lugar a outros, sendo necessário desmantelá-los. Inicialmente, os corpos exumados eram colocados em locais próximos dos cemitérios e conventos, mas com esta ideologia nascida com o Barroco passaram a dar-lhes outro uso. A solução encontrada para os ossos removidos foi a de construir e, lá está, decorar a capela. Este uso como função decorativa faz com que se perca a individualidade que estes ossos outrora representaram. Foram pessoas, hoje são só um conjunto decorativo. Não se distinguem sexos, nem raças.
As paredes e os pilares estão completamente revestidos a crânios e ossos, colocados de forma metódica. Só em caveiras é possível contar à volta das 5000.
O tecto apresenta abóbadas que estão pintadas com frescos que datam de 1810 e mostram passagens bíblicas, os instrumentos da Paixão de Cristo e símbolos pagãos. As arcarias são onde se exibem os ossos, nomeadamente caveiras organizadas em filas.
Já o chão é a única zona da capela que não está revestida a ossos.


Para além de ser o primeiro exemplo deste tipo de arquitectura no país, a Capela dos Ossos de Évora é a única em Portugal que nos mostra também 2 corpos mumificados, um adulto e um infantil. São os únicos corpos completos no meio de milhares de ossos.
Não se sabe qual o motivo para a sua inclusão neste espaço, mas existe a possibilidade de serem uma forma de mostrar como a morte toca a todos. A velhos e a novos, nunca se sendo demasiado jovem para morrer.
Até 2016, estas múmias estavam penduradas na parede, mas após a reabilitação de que foi alvo a capela, passaram a ser apresentadas em sarcófagos de vidro na nave do lado direito.
Esta alteração mostra-nos uma preocupação para com a preservação dos corpos, mas cria uma negação do diálogo com o passado e com a mensagem pretendida. Para além disso, estas múmias passam a ser recebidas com alguma suavidade e são encaradas como que estando num sono eterno ao invés de mostrarem a morte num estado mais agonizante. Este factor faz com que se altere o impacto que se pretende nos visitantes.
Sobre estes corpos há várias lendas, sendo a mais relatada a que diz que estes pertenciam a um pai e um filho que eram abusivos para com a mulher e mãe que, como vingança, os terá amaldiçoado dizendo que os seus corpos não se decomporiam após a sua morte.
Investigações recentes, no entanto, revelaram que estes corpos pertencem a uma mulher (entre os 30 e os 50 anos) e a uma menina (de 2-3 anos). Continuam a ser realizadas análises na tentativa de descobrir mais detalhes.

Fonte: https://observador.pt/especiais/as-ossadas-do-barroco/

Fonte: https://portaldeportugal.com/6-capelas-dos-ossos-portugal/

Símbolo de uma ideia de vida após a morte, transporta-nos para uma época cuja vivência revolvia em torno disso e no qual a imagem era o trunfo para fazer as pessoas acreditar que o bom comportamento na Terra traria algo de bom no Além. Mesmo que essa imagem seja um local repleto de ossos e crânios que numa outra vida representavam o corpo de alguém.
Apesar da entrada na Capela dos Ossos de Évora deixar muitos visitantes de pé atrás, alguns deles que acabam por não conseguir entrar, é inegável o valor que este monumento português tem.
Para mais informações: https://www.visitevora.net/capela-ossos-evora/
Olha, já aprendi algo hoje!
Não fazia sequer ideia que existe mais que uma capela dos ossos em Portugal, pensava que a de Évora era única!
De qualquer forma, o respeito e a surpresa que sentimos ao entrar neste local são inigualáveis!
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É verdade, são 6, mas até pode ser que haja mais! Houve algumas que foram destruídas ao longo dos anos, bem como alguns ossários. 😊
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quero muito visitar mas tem tanto de fascinante como de mórbido…!
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Chega a ser uma experiência estranha, mas que vale muito a pena conhecer.
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