A Páscoa é a celebração mais alegre da fé Ortodoxa na Rússia, sendo que, após a missa, as famílias se juntam para trocar prendas e ovos decorados, símbolos da renovação da vida e de esperança. Posto isto, não haveria melhor altura para começar uma tradição que duraria cerca de 30 anos e que seria representativa da glória e da tragédia da família Romanov.
Falo, claro, dos conhecidos Ovos Fabergé, tema do artigo de hoje. Vamos desbobinar a sua história, desde o momento em que aparecem, o modo de criação, os temas e o coleccionismo que se formou em torno deles nas últimas décadas.

Casa Fabergé, Ovo da Coroação, 1897, Fabergé Museum. Fonte: Fabergé Museum.

Casa Fabergé, Pavão, 1908,Fondation Edouard et Maurice Sandoz. Fonte: Edition.

Casa Fabergé, Kremlin de Moscovo, 1906, Kremlin Armory Museum. Fonte: Fabergé Discoveries.
Peter Carl Fabergé nasceu em São Petersburgo a 30 de Maio de 1846 e faleceu em Lausana a 24 de Setembro de 1920. Joalheiro russo de origem franco-dinamarquesa, deu, em 1882, continuidade à Casa Fabergé criada pelo seu pai, Gustav Fabergé, também joalheiro.
Apesar de ser mais conhecido pelos ovos de que falaremos hoje, a sua especialização era a confecção de obras com arranjos florais, grupos humanos e animais. A experiência na reparação de objectos tornou-o um especialista na técnica do esmalte, tendo inclusive inventado mais de 145 tons do mesmo.
A ligação de Fabergé com a família imperial começou em 1882, quando chamou a atenção na Pan-Russian Exhibition, em Moscovo, ao exibir a réplica de uma pulseira do século IV a.C. do tesouro cito-siberiano pertencente ao Hermitage Museum.
A série dos 50 Ovos Imperiais criados para a família Imperial Russa tem, porém, início em 1885, quando o Czar Alexandre III decide encomendar uma peça especial para oferecer à sua esposa, a Czarina Maria Feodorovna, como prenda de Páscoa e também para celebrar o aproximar do 20º aniversário de casamento. Durante o império deste Czar, até 1893, foram produzidos 10 ovos Fabergé. Os restantes 40 foram comissionados entre 1894 e 1916 pelo filho, o Czar Nicholas II, que todos os anos pedia 2, um para a mãe e outro para a esposa, a então Czarina Alexandra Feodorovna.

Peter Carl Fabergé. Fonte: Collectgram.

Czar Alexander III e a esposa. Fonte: Pinterest.

Czar Nicholas II com a esposa e os filhos, em 1913. Fonte: Wikipédia.
Elaborados em combinação de esmalte, metais (ouro, prata, cobre, platina, níquel) e pedras preciosas (rubi, quartzo, diamante, jade, ágata), escondiam surpresas e miniaturas. Fabergé aplicava estes materiais com as tais técnicas de esmaltagem e plique-à-jour (esmalte translúcido), adicionando várias camadas de cores para criar profundidade, resultando numa perfeita captura da luz na superfície.
Levavam entre 1 a 2 anos a criar pela equipa de Fabergé. Têm entre 7 a 13 centímetros de altura e a maior parte é apresentada na vertical, com alguns exemplos raros na horizontal.
Após o primeiro ovo, tal foi o contentamento da Czarina com a peça, Peter Carl Fabergé foi nomeado “fornecedor da corte” com a condição de criar um ovo por ano, sendo que todos deviam ser únicos e conter a tal surpresa.
No início, era o Czar que ditava o tema do ovo, mas cedo acabou por querer ser tão surpreendido quanto a esposa e deixou essa questão nas mãos de Fabergé. Alguns deles têm temas comuns como a Natureza, mas a maior parte remetem para pontos específicos da História tanto do país como da Família Imperial. Nenhum ovo era igual ao outro e a sua decoração coincidia com os estilos artísticos em voga no ano em questão.
Para além destes denominados Ovos Imperiais, existem mais 14.
7 deles foram encomendados por Alexander Ferdinandovich Kelch, industrial da mina do ouro siberiana, e foram produzidos entre 1898 e 1904. A encomenda pedia 12, mas apenas foram fabricados esses 7, e a maior parte destes repete os temas dos pertencentes aos Czares.
Outros ovos foram para a Duquesa de Marlborough, a família Rothschild e a família Yusupov. A esta última pertencia Félix Yusupov I, conhecido por fazer parte do assassinato de Grigori Rasputine (conselheiro da última Czarina), algo que fez com que a sua família fosse poupada aquando a Revolução Russa de 1917, mas que não impediu que lhe confiscassem os bens valiosos, como é o caso do ovo. Ovo esse mais tarde vendido a comerciantes de Arte em Londres e restaurado já em 2007.

Casa Fabergé, Ovo da Duquesa de Marlborough, 1902. Fonte: Fabergé.

Casa Fabergé, Ovo da família Yusupov. Fonte: Town and Country Mag.
De momento, dos 65 ovos que se conhecem, apenas se sabe o paradeiro de 57, 42 dos quais pertencem ao grupo Imperial. As peças estão espalhadas pela Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Mónaco, Quatar e há ainda 2 em colecções privadas cuja localização não está especificada. O Palácio Arsenal do Kremlin, em Moscovo, e o Museu Fabergé, em São Petersburgo, são os que reúnem a maior quantidade de ovos, tendo cada um dos locais 10 exemplares.
Esta dispersão acontece devido ao saque que sofreram os Palácios Romanov, após a Revolução Russa de 1917. Com a execução da Família Imperial a 17 de Julho de 1918, Vladimir Lenin lançou uma ordem para retirar todos os tesouros destes locais e levá-los para o Kremlin. Apenas o Ovo da Ordem de São Jorge (oferecido pelo Czar Nicholas II à mãe, em 1916) escapou a esse destino, sendo que a anterior Czarina conseguiu levá-lo consigo para o exílio.
Outra consequência desta revolução foi a nacionalização da Casa Fabergé pelos bolcheviques, o que levou a família a fugir para a Suíça.
Mais tarde, entre 1930 e 1944, 14 ovos imperiais saíram do território russo, pois Joseph Stalin decidiu vendê-los como forma de arranjar moeda estrangeira, numa altura de poucos recursos no país.
A única interrupção de produção dos ovos Fabergé deu-se nos anos de 1904 e 1905, por decisão do Czar Nicholas II devido à guerra com o Japão. A partir de 1906, não houve mais paragens até 1917, sendo que, devido à Revolução já mencionada, o ovo desse ano acabou por não ser entregue, o que fez com que o aumento da colecção acabasse em 1916.
De seguida, deixo-vos com uma selecção de 5 ovos criados para a Família Imperial.
Ovo da Galinha, 1885

Casa Fabergé, Ovo da Galinha, 1885, Fabergé Museum. Fonte: Fabergé.
Este é o primeiro ovo da colecção imperial e foi inspirado numa peça do século XVIII. A sua composição é como a de um ovo normal: um exterior em estuque branco opaco (a casca) e um interior em mate dourado (a gema). Ambas as partes se abrem para nos dar uma galinha também em estuque dourado que continha uma réplica da Coroa Imperial com um pendente em rubi no seu anterior (ambos estes elementos estão desaparecidos). Com esta peça, podemos ver como a colecção começou por algo tão simples e como o elaborado dos ovos foi evoluindo ao longo dos anos. É também algo com uma temática muito directa aos símbolos da Páscoa, algo que não se observa no resto dos ovos.
Relógio da Serpente Azul, 1887

Casa Fabergé, Relógio da Serpente Azul, 1887, colecção privada. Fonte: Collectgram.
Também conhecido como o Terceiro Ovo Imperial, foi encontrado, em 2012, em casa de um americano que o comprou numa loja de antiguidades com a intenção de separar os diversos materiais para revenda. Após falhar em conseguir compradores, decide fazer uma pesquisa no Google e descobre que a peça que comprou por cerca de 13 mil dólares valia, de facto, aproximadamente 33 milhões de dólares.
Reconhecido pelo seu tamanho de menor escala, este ovo é decorado com 75 diamantes e inclui um relógio Vacheron Constantin no seu interior. Assente num pedestal com 3 pernas, tem ainda detalhes florais e 3 safiras.
Lírios do Vale, 1898
Casa Fabergé, Lírios do Vale, 1898, Fabergé Museum. Fonte: Fabergé.
Ovo oferecido à Czarina Alexandra Feodorovna e tem como elemento principal de decoração os lírios, flor favorita da esposa do Czar.
Feito em esmalte cor-de-rosa, este ovo em estilo Art Nouveau é suportado por 4 pernas que terminam em forma de folhas de lírios do vale, com aplicação de diamantes e uma pérola no pé. O corpo é coberto por folhas verdes também em esmalte e flores feitas de pérolas e diamantes cortados. No topo, vemos a coroa imperial coberta com os mesmos diamantes e com 2 rubis. A coroa tem um botão que quando pressionado revela um conjunto de 3 medalhões com os retratos do Czar Nicholas II e das filhas até aí nascidas: Olga e Tatiana. No verso, pode ler-se a inscrição “1898-5-IV”. Este tipo de design era o predilecto da Czarina.
O Ovo “Standard”, 1909

Casa Fabergé, O Ovo “Standard”, 1909, Kremlin Armory Museum. Fonte: Kremlin Armory Museum.
Ovo oferecido à Czarina Alexandra Feodorovna.
Feito em cristal e pontuado com elementos em lápis lazuli e esmalte fino colorido a dourado e verde. Dos lados é possível ver o símbolo da Marinha Imperial e a base une-se ao ovo com 2 golfinhos em lápis lazuli que se entrelaçam um no outro. Sendo esta uma peça transparente, é desde logo possível observar a surpresa que contém: uma relíquia do iate imperial “Standard”, que navegou pela primeira vez em 1894 e que era, até então, o maior navio alguma vez construído na Escandinávia. O Czar Nicholas II tinha um grande carinho por este iate, referindo-se a ele como “querido Standard”. Este ovo é uma celebração da embarcação e simboliza os dias felizes da família imperial passados a bordo do mesmo. A miniatura do iate é feita em esmalte dourado e inclui todos os detalhes, desde os mastros às armas, e está assente numa base a relembrar águas cristalinas.
Numa breve nota, é de referir que também o “Standard” foi confiscado após a Revolução Russa de 1917 e acabou a ser utilizado como traineira.
O Ovo de Inverno, 1913

Casa Fabergé, O Ovo de Inverno, 1913, colecção privada do Sheik Hamad bin Khalifa Al Thani. Fonte: Fabergé Discoveries.
Este ovo, oferecido pelo Czar Nicholas II à sua mãe, detém o recorde de valor mais elevado, tendo sido vendido por 9.6 milhões de dólares, num leilão promovido pela Christie’s de Nova Iorque, em 2002.
É um dos exemplos em que não há um aspecto comemorativo, apenas o tema do Inverno. Feito em cristal com motivos de flocos de neve em diamantes cortados aplicados na superfície. A base, também com diamantes, faz lembrar um bloco de gelo com pingentes. No seu interior, contém um cesto de platina coberto com diamantes cortados e flores de quartzo branco com folhas em nefrite.
Estes são só alguns exemplos da extraordinária colecção que pertenceu à Família Imperial Russa. Colecção essa que começa com um simples ovo e que acaba por simbolizar o expoente máximo da joalharia do país e do trabalho de Peter Carl Fabergé.
Se quiserem conhecer os restantes ovos, incluindo os que continuam desaparecidos, visitem a página Fabergé Discoveries.
Para terminar, deixo a nota de que ainda este ano o Museu Victoria & Albert, em Londres, irá inaugurar uma exposição dedicada ao joalheiro russo e na qual irão figurar alguns dos ovos imperiais, bem como outras peças criadas por Fabergé. Se estiveram pela capital inglesa entre Novembro deste ano e Maio do próximo, é de aproveitar
Imagem de topo: Casa Fabergé, Palácio Gatchina (detalhe), oferecido a Maria Feodorvona, em 1901. Fonte: Twitter.
Ai como eu amei este artigo, adoro esta história e adoro estas peças!
Tive oportunidade de ver alguns no MET em NY: o Imperial Danish Palaces Egg, o Imperial Caucasus Egg e o Imperial Napoleonic Egg, mas fico feliz por saber que haverá exposição cá!
GostarGostar
Já viste alguns e há que aproveitar essa exposição! 🙂
GostarGostar