Após um ano de adiamento, a cidade do Porto deu, no passado dia 15 de Abril, as boas-vindas à exposição Alberto Giacometti-Peter Lindbergh. Capturar o Invisível, patente do Museu da Misericórdia do Porto (MMIPO). Esta mostra, que nasce de uma colaboração com a Fundação Giacometti e a Fundação Peter Lindbergh, reúne cerca de 110 obras (seleccionadas por Lindbergh), entre esculturas em bronze, desenhos e fotografias,. É a estreia destes artistas em conjunto no nosso país e a segunda vez que a exposição é apresentada ao público, sendo que a primeira teve lugar no Instituto Giacometti, em Paris.

Frente: Alberto Giacometti, Bust of Annette IV, bronze, 1962, Fondation Giacometti.
Atrás: Peter Lindbergh, Alberto Giacometti, Bust of Annette IV, 2017, Peter Lindbergh Foundation.
Alberto Giacometti (Borgonovo di Stampa, 1901 – Coira, 1966) foi um artista conhecido essencialmente pelas suas esculturas, mas também pintou e desenhou. Em 1920, estabelece-se em Paris e começa a sua carreira com a descoberta do movimento vanguardista, que o faz trabalhar sobretudo as formas geométricas, recusando a trabalhar com modelo vivo. A partir de 1935, dedica-se ao trabalho pós-modelo, ou seja no retratar as pessoas de acordo com as sua percepção pessoal e não sobre os traços reais de um rosto. Mais tarde começa as suas tão conhecidas figuras alongadas e nuas, seja em busto ou corpo inteiro, sejam estáticas ou a simular andamento. Seja em que estilo for, as obras de Giacometti fizeram com que se tornasse um dos artistas mais importantes da época. O Homem que Caminha é uma das suas obras mais conhecidas e uma das esculturas mais famosas do século XX. Passa os seus últimos anos a retratar membros de família que posavam para ele.
Peter Lindbergh (Leszno, 1944 – Paris, 2019) é considerado o pioneiro do realismo na fotografia de moda. A forma como via as modelos e como as queria retratar, privilegiando a sua dimensão pessoal, mudou o panorama deste género fotográfico, dando-lhe destaque nas mais conceituadas publicações de moda. Foi esta sua abordagem que, nos anos 1990, deu um empurrão ao fenómeno que se tornou a popularidade das top-models. As suas fotografias são normalmente a preto e branco, pois Lindbergh considera que a cor nunca corresponde à percepção real do espectador. Fotografias de Naomi Campbell, Kate Moss e Uma Thurman estão entre os seus trabalhos mais conhecidos.

Da esquerda para a direita: Alberto Giacometti, Woman (Flat II), 1928-1929; Composition (Cubist II), c. 1927; Crouching Figure, c. 1926; bronze, Fontation Giacometti.

Peter Lindbergh, Alberto Giacometti, Head Skull, Desagreeable Objet and other Sculptures, 2017, Peter Lindbergh Sculptures.
Para perceber como surge este diálogo entre as esculturas e desenhos Giacometti e as fotografias de Peter Lindbergh, é necessário recuar até 2017.
Era conhecida e notória a admiração que Lindbergh nutria pelo trabalho e personalidade do escultor suíço. Com isso em mente, a Fundação Giacometti convidou-o para fotografar os espaços e as obras que a mesma alberga, dando-lhe liberdade total para escolher o que fotografar e mexer nas peças para criar o diálogo que desejava. Este foi um convite de resposta fácil para Lindbergh, que mais tarde diria o seguinte:
Se me perguntassem quais foram os cinco dias mais bonitos da minha vida, aquele com as esculturas de Giacometti seria certamente um dos primeiros três.
Nestas salas amplas e repletas de luz, temos uma visão dupla entre as fotografias e as peças em bronze. As obras confrontam-se entre si ao mesmo tempo que mostram uma relação próxima pela sua forma de representar a realidade. As fotografias, impressas em grande escala e a preto e branco, apresentam sobretudo close-ups do trabalho e do estúdio de Giacometti. O foco não recai apenas num período de trabalho, havendo oportunidade de acompanhar a evolução do escultor com, por exemplo, obras que renunciam o modelo e marcam o início da sua carreira, os bustos do irmão Diego e da esposa e musa Annette e as suas conhecidas figuras caminhantes. Há um diálogo entre tempo e estilos.
As texturas, a alma e a vivacidade das esculturas são algo que salta à vista e que sobressai ainda mais nas fotografias, sendo possível destacar a utilização que Giacometti faz da matéria. É importante podermos ver a peça na sua forma física e na sua forma fotografada, pois a última revela pormenores invisíveis a olho nu na primeira. Percebemos como o ponto de encontro das obras dos dois artistas era a importância da figura humana, sobretudo o olhar.
A abordagem que Peter Lindbergh utilizou para fotografar as peças foi a mesma que utilizava para fotografar pessoas, sendo que alguns bronzes parecem posar para as suas fotografias, tal como uma modelo faria. Procurar o real para além do visível – capturar o invisível.

Frente: Alberto Giacometti, Bust of a Man (New York I), bronze, 1965, Fondation Giacometti.
Atrás: Peter Lindbergh, Alberto Giacometti, Bust of Diego, 2017. Peter Lindbergh Foundation.

Frente: Alberto Giacometti, Small Bust over Column, bronze, 1951-1952, Fondation Giacometti.
Atrás: Peter Lindbergh, Alberto Giacometti’s Studio, 2018, Peter Lindbergh Foundation.
Para além dos bronzes e das fotografias em grande escala, há uma sala dedicada a um diálogo entre desenhos de Giacometti e algumas fotografias de top-models que marcaram a carreira de Lindbergh. Aqui, vemos como as peças do primeiro influenciaram o trabalho do fotógrafo e como a obra de ambos vinha de uma maneira muito semelhante de ver as coisas.
Uma exposição que levou quatro anos a ser preparada e que contou com imprevistos, como a morte inesperada de Peter Lindbergh, em 2019, e, claro está, a chegada da pandemia, que fez o Museu da Misericórdia do Porto fechar as portas quinze dias antes da inauguração e adiá-la, como já referido, por um ano.
É também uma celebração do fotógrafo, ele próprio envolvido no processo de trazer a exposição a Portugal, tendo inclusive visitado a cidade Invicta para conhecer o espaço e as gentes que a iriam acolher. Cabe aos portuenses mostrar como sabem bem receber e aos portugueses mostrar como sabem celebrar este tipo de iniciativas.
Uma nota final para referir que, no fim da exposição, têm direito a um cálice de vinho do Porto servido no jardim com miradouro sobre a Sé do Porto, que o MMIPO inaugurou recentemente.


Peter Lindbergh, Alberto Giacometti, Annette from Life and Other Sculptures, 2017, Peter Lindbergh Foundation.


Esquerda: Alberto Giacometti, Standing Woman, bronze, 1951-1952, Fondation Giacometti.
Direita: Alberto Giacometti, Three Men Walking, Small Square, bronze, 1948, Fondation Giacometti.
Alberto Giacometti-Peter Lindbergh. Capturar o Invisível pode ser visitada até ao dia 24 de Setembro, das 10h às 18h30 durante a semanas e das 9h às 13h ao fim-de-semana e enquanto durar o estado de emergência. Se forem residentes no país, o bilhete tem o custo de 10€ e podem ainda visitar os restantes espaços do Museu da Misericórdia do Porto. Para não residentes o custo é de 14€. Mais informações aqui: MMIPO.
Se são ou vão estar pelo Porto, não percam a oportunidade de ver esta exposição que conjuga dois mestres de áreas distintas, mas unidos por muito.
Muito interessante, adorei a técnica pois realmente faz parecer que as esculturas posam da mesma forma que as modelos!
É triste que ele não tenha sobrevivido tempo suficiente para ver a sua obra exposta na nossa bonita cidade mas é como dizes, resta-nos a nós mostrar como bem sabemos acolher..
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É realmente pena, ainda para mais tendo em conta a atenção que teve com a escolha do local. Mas parece-me que está em algum lado a confirmar que foi a escolha certa.
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