Está patente no Tribunal da Relação do Porto/Palácio da Justiça uma exposição de Armanda Passos. Em RESPIRAR. Quantos animais cabem no coração dos homens?, mais de 30 obras em guache e Tinta-da-China mostram-nos figuras humanas e animais, enaltecendo “a exaltação da longa relação Humana com os Animais, como uma alegoria à bondade, ao visível e ao invisível.”

Armanda Passos (n. 1944) vive e trabalha no Porto, sendo considerada uma das mais conceituadas artistas da cidade. A sua obra é caracterizada como Neo-Figurativa, com personagens que se apresentam planas e que são definidas pelo traço. Estes traços bem delineados e a sua junção às cores fortes impõem-se aos olhos de quem vê. Os universos que nos apresenta são uma mistura entre um mundo duro e uma atmosfera de sonho. Este mundo desconhecido e alternativo ao nosso faz com que as obras sejam analisadas e estudadas não só por críticos da área, mas também por vários artistas, historiadores e até escritores.
Com trabalhos presentes um pouco por todo o país, Armanda Passos trata as exposições por tu já desde 1976, tendo inclusive representado Portugal em países como a Alemanha, a Polónia e a Bélgica.


Esta exposição intitulei-a Respirar pois é a faculdade principal do ser humano e de todos os seres vivos para poderem viver neste planeta. Por vezes, esquecemo-nos disso. Só quando aparecem problemas de saúde é que damos valor e atenção. Foi o que aconteceu comigo, querer respirar.
As obras expostas mostram-nos o valor que os (alguns) Humanos atribuem aos Animais e como é mais fácil e eficaz fazê-lo através de imagens do que recorrendo ao uso das palavras. Tal já dizia o ditado.
Estes são trabalhos bidimensionais onde a escala e as proporções não se aplicam. As cores, sejam elas em mancha ou nos padrões, são aplicadas de forma rigorosa, trazendo uma espécie de organização conjunta às obras. Estas, aparentemente simples, demoram-nos na tentativa de construir uma narrativa e de nos deixar invadir por uma serenidade.
O uso do dourado é comum em todas elas, seja em pequenos detalhes ou em elementos de destaque – há um viajar até civilizações antigas, até às obras de Gustav Klimt, mas também uma certa ideia de um futuro imagético. Também o fundo trabalhado com pequenas manchas brancas, à primeira vista quase invisíveis, é um ponto em comum nos vários trabalhos.

O mundo de cada desenho apresentado é um só ao mesmo tempo que se relaciona com o da obra anterior e com o da seguinte, levando-nos numa tentativa de criar uma ligação entre eles. As personagens parecem repetir-se, mas valem por elas próprias. Estes pontos permitem-nos criar uma espécie de história global, bem como várias individuais.
As figuras humanas representadas são femininas (as masculinas aparecem apenas quando temos duas personagens na mesma obra) e fogem aos ditos ideais da beleza e da realidade, com corpos voluptuosos, pés e mãos grandes – a tal falta de escala e proporções. Sobre elas não sabemos de que tempo ou espaço vieram, apresentando-nos um mundo semelhante ao nosso, mas que nos é paralelo. Fazem-nos pensar em tempos longínquos ao mesmo tempo que parecem anunciar um futuro. A ausência de títulos nas obras ajuda a deixar-nos levar por um mundo de possibilidades, sem nunca nos forçar uma narrativa ou detalhes específicos do que estamos a ver.
Os Animais são sobretudo pássaros, cobras e alguns possíveis mamíferos. Os primeiros muitas vezes obrigam-nos a aceitar que estão a voar, mesmo que as suas asas estejam fechadas ou a sua composição o pareça não permitir. Ao contrário do que pode parecer, são os Animais as personagens principais das obras expostas e mesmo quando não estão presentes, a figura feminina retratada ama esse ser e transmite-nos essa paz.
Essa serenidade é também alcançada através das cores fortes utilizadas e dos painéis abundantemente trabalhados que sobressaem em muitos dos quadros. Esse uso da cor, bem como a ausência dela, é também uma distinção notória entre as duas personagens: as figuras Humanas são acompanhadas de vestes com cores fortes, algumas com padrões e outras simples; as figuras Animais apresentam-se apenas com linhas de Tinta-da-China, que as delineiam e preenchem todos os detalhes.


Como nos dizem os curadores da exposição, Catarina Abrantes e António Figueiredo, há uma “ampla harmonia homem/animal, nesta exposição de cor, formas padrões e movimento a que chamamos «humanimalidade»”. Esta ideia liga-se ainda a uma, neste caso metafórica, de Armanda Passos que nos diz como os Animais, quer visíveis quer não, estão sempre presentes:
O nosso ser é leve e voa como as aves. Esse sinal artístico, com as cores vivas de alegria, permite aos personagens sentarem-se, por vezes, numa plenitude de descanso.
A acompanhar a exposição existem alguns textos de parede que contam a perspectiva de alguns dos intervenientes sobre a exposição e a obra de Armanda Passos, bem como a visão da própria pintora, alguns dos quais foram já enunciados neste artigo.

RESPIRAR. Quantos animais cabem no coração dos homens? pode ser visitada até ao dia 19 de Maio, no 5º piso do Tribunal da Relação do Porto/Palácio da Justiça. Disponível entre Segunda e Sexta-Feira das 9h às 17h, com entrada gratuita.
Ao visitar a exposição, podem ainda ver a obra Noé Homozigótico – Arca de Noé, obra também de Armanda Passos que ficou exposta permanentemente no Átrio da Sala de Audiências do Tribunal da Relação do Porto, aquando o cinquentenário do Palácio da Justiça, em 2012.
Adoro a forma como ela conjuga as cores, tão atrativas e eficazes ao prender-nos e a fazer-nos imaginar (tal como dizes) uma história para as personagens. E adoro os animais (que nem sempre são comuns) e a mensagem que tentam transmitir.
Certamente será uma exposição que vale a pena visitar!
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E mesmo essa grande vivacidade das cores consegue transmitir-nos uma grande paz e usufruir da obra sem nos sentirmos incomodados. Quase dá vontade de fazer parte da história narrada.
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