Celebrizada principalmente pelas suas esculturas cobertas de espelhos e vidro que se reflectem nos espaços em que são expostos, Monir Shahroudy Farmanfarmaian conseguiu alcançar muito, sendo uma mulher artista baseada no Irão.
Este artigo dá-vos a conhecer um pouco do que foi a sua vida, fazendo uma pequena introdução à sua produção artística, a qual será referida no próximo artigo somente dedicado à sua obra.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian em frente a um dos seus mosaicos no Teerão, década de 1970. Fonte: ArtAsianPacific.
Monir Shahroudy Farmanfarmaian nasceu em 1924, na antiga cidade persa de Qazvin, no Irão. Filha de Fatemeh, uma aristocrata Otomana, e de Bagher, responsável pela fundação da primeira escola para raparigas na cidade de Qazvin e que, em 1932, foi eleito para o Parlamento. Esta eleição implicou a mudança da família para o Teerão.
Frequentou a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Teerão, a qual abandonou relativamente rápido, com o desejo de ter uma educação diferente. Sonhava com Paris, mas a Segunda Guerra Mundial tornou essa vontade impossível de concretizar. Posto isto, optou por um circuito de três meses pela América, que passava pela Índia e pela Austrália. Chegou a Nova Iorque em 1945 e os três meses depressa se tornaram doze anos.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian na sua casa no Teerão, 1975. Fonte: Kinfolk.
Em Nova Iorque, estudou na Cornell University, na Parsons School of Design, onde se graduou em Ilustração de Moda em 1949, e pertenceu à Art Students League entre 1950 e 1953. Foi das primeiras pessoas iranianas a estudar nos Estados Unidos da América, tornando-se parte integrante da cena artística, tendo Andy Warhol (1928-1987), Jackson Pollock (1912-1956) e Frank Stella (n. 1936) como amigos.
Em 1950, casa com Manoucher Yekhai, também artista, com quem tem uma filha. Divorciam-se em 1953 e após esse acontecimento que vai trabalhar como designer para o estabelecimento comercial Bonwit Teller, sendo colega do já mencionado Andy Warhol.
Conheceu ainda Milton Avery (1885-1965), Willem de Kooning (1904-1997), Joan Mitchell (1925-1992), Louise Nevelson (1899-1988) e Barnett Newman (1905-1970). Todas estas amizades no mundo artístico permitiram-lhe reunir uma colecção considerável de obras na sua colecção pessoal. No entanto, a maior parte destas peças perdeu-se ou foi destruída durante a Revolução Islâmica.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian na década de 1970. Fonte: The Cut.
Em 1957, casa com Abolbashar Farmanfarmaian com quem fica até à morte deste em 1991, devido a leucemia. Era advogado e pertencente a uma das famílias mais poderosas dos Irão, descendente dos príncipes Qajar, que governaram entre os séculos XVIII e XIX. Deste casamento resultou uma segunda filha.
Após o casamento, ainda nesse ano, volta ao Irão. É aqui que desenvolve a sua sensibilidade artística ao entrar em contacto com os mais variados artesãos, formas de Arte Indígena (vestuário e joalharia Turcomana e pinturas de cafetarias, por exemplo), bem como a técnica da pintura em espelho invertido, desenvolvendo uma pesquisa que tinha a iniciativa de levar trabalhos tradicionais iranianos a mercados estrangeiros. Isto permitiu-lhe de igual modo a recolha de peças para a sua colecção pessoal, muitas das quais, a par das obras dos seus colegas, desapareceram também. Estes conhecimentos trouxeram-lhe ainda várias comissões no país e exposições pelos Estados Unidos da América e pela Europa.
Na sua casa no Teerão organizava tertúlias para as quais convidava poetas e artistas para debater o estado da cultura persa, enquanto desfrutavam de um guisado de cordeiro, tradicionalmente conhecido como abgoosht. Mais tarde, faria o mesmo na sua casa em Nova Iorque.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian com o seu trabalho, década de 1970. Fonte: Vogue.
A inspiração de Farmanfarmaian provém sempre do seu país de origem. Foi no final da década de 1950, ao visitar a mesquita Shah-e-Cheragh, que se fascinou com o efeito que pequenos pedaços de espelho podem reproduzir num espaço. Tal como referiu numa entrevista, em 2018, o próprio espaço parecia estar a pegar fogo, os candeeiros a disparar em centenas de milhares de reflexos. Imaginei-me dentro de um diamante com muitas faces e a olhar para o sol…era um universo dentro dele próprio, arquitectura transformada em performance, todo o movimento e luz fluída, todos os sólidos fracturados e dissolvidos em brilhantismo, no espaço, na oração. Eu estava extasiada.
Seria uma década depois, ao ver um amigo do marido a decorar a sua casa com trabalhos espelhados, que decidiria ela própria seguir este caminho de criação. Esse trabalho de decoração estava a ser concretizado pelo mestre artesão Hajj Ostad Navid, a quem teve de convencer a ajudar, uma mulher, nas suas criações artísticas.
Este foi um problema que Farmanfarmaian encontrou ao longo dos anos: homens que assumiam que as mulheres não têm grandes conhecimentos e que, por isso, ficavam de pé atrás com a ideia de a ajudar. Porém, todos os que fizeram parte do seu estúdio, mudaram de ideias com o tempo e perceberam que ela teria algum sentido para o mundo da Arte e do Design.
A estas técnicas tradicionais iranianas vai combinar a abstracção geométrica ocidental com a qual teve contacto nos anos que passou a estudar em Nova Iorque.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Decagon (Third Family), 2011. Fonte: ARTnews.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Triangle No4, 2008, marcador, lápis de cor e espelho sobre papel.
Fonte: Islamic Arts Magazine.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian a trabalhar no seu estúdio, em 1975. Fonte: Kinfolk.
Nova Iorque é exactamente o local onde regressa em 1978, pouco antes da eclosão da já mencionada Revolução Islâmica, que tem início em 1979. A cidade americana é a escolhida para um exílio que viria a durar aproximadamente 26 anos. Este exílio acontece, pois o casal Farmanfarmaian foi denunciado como amigo de Shah, um monarca islâmico que contava com o apoio dos Estados Unidos da América e que foi deposto naquele ano.
Aqui, afastada do seu estúdio e dos seus artesãos de confiança, focou-se no desenho, na colagem, no design de tapetes e têxteis, bem como nas várias comissões que lhe chegavam. Também a falta de acesso aos materiais com que usualmente trabalhava e o estar longe da sua maior fonte de inspiração, o Irão, fizeram com que se tivesse que adaptar a este tipo distinto de trabalhos.
Volta para o Irão apenas em 2004, instalando o seu estúdio num novo local, sendo que o anterior foi destruído durante a Revolução. Aqui, dedica-se a procurar os artesãos com quem trabalhava na década de 1970, de modo a dar continuidade a uma parceria que já sabia ser frutífera.
O meu amor pela minha cultura está em tudo aquilo que eu crio.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian com uma das suas peças. Fonte: MonirFF.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian na inauguração da sua exposição no The Third Line, Dubai, em 2013. Fonte: Apollo Magazine.
Monir Shahroudy Farmanfarmaian participa na 1ª Bienal do Teerão, que acontece em 1958, o mesmo ano em que ganha uma medalha de ouro ao expor no Pavilhão Iraniano da Bienal de Veneza.
A nível museológico, o nome de Farmanfarmaian está associado a alguns feitos. Para além de ter sido a primeira artista iraniana a inaugurar uma exposição a solo no Museu Guggenheim, em Nova Iorque, é ainda a primeira mulher a conseguir um museu com o seu nome no Irão.
O Monir Museum, que adopta o seu nome de solteira de forma a apagar a ligação imediata que o apelido do marido tinha, ocultando assim a referência ao Antigo Regime, foi inaugurado em 2018, contando com a presença da própria artista. Localizado num palacete do século XIX, alberga 51 trabalhos da artista, representativos de seis décadas de criação. Tendo em conta que muitas das suas obras foram relocalizadas e até destruídas, o facto de reunirem a sua obra num local de forma a dá-la a conhecer e proteger, é algo de grande honra para Farmanfarmaian. O museu representa um sonho antigo: um espaço no seu adorado Irão onde todos podem ver as suas obras.
As suas obras podem ainda ser encontradas em alguns dos principais museus do mundo, como o The Metropolitan Museum of Art, a Tate Modern, o Victoria and Albert Museum, a Queensland Gallery of Contemporary Art, entre outros.
Numa nota de ligação ao nosso país, é importante referir que Portugal acolheu, entre 2014 e 2015, a primeira exposição antológica da Monir Shahroudy Farmanfarmaian, realizada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, sob o nome Possibilidade Infinita. Obras em Espelho e Desenho 1974-2014, que depois seguiu para o Guggenheim Museum, em Nova Iorque. Esta foi também um catapulta que levou a um maior conhecimento da artista nos tempos de hoje.

Monir Museum. Fonte: ArtAsiaPacific.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian na sua exposição no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, 2014. Fonte: SIC Notícias.
Farmanfarmaian faleceu no Teerão, a 20 de Abril de 2019, após uma carreira com mais de 60 anos, nunca tendo demonstrado a vontade de deixar de criar. Queria sempre ir para o que estava mais além.
Uau!
Adoro coisas com espelhos, então fiquei muito excited com este artigo 😀
É incrível que tenha sido das primeiras iranianas a estudar nos EUA, só por isso é já um feito.. que mulherão! E tenho inveja da lista de amigos ahah.
É notável que ela nunca tenha desistido.. mesmo com as dificuldades que advieram da Revolução Islâmica, levou o seu trabalho avante (e ainda bem!)
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Sim, não é uma história de vida absolutamente trágica, mas que mostra muito a força dela. Principalmente por todo o amor que manteve ao seu país de origem e a vontade de que as suas obras se ligassem a ele e nele fossem produzidas. 🙂
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