Monir Shahroudy Farmanfarmaian | Obra

Após uma breve referência ao seu percurso biográfico, chegou agora a altura de prosseguir a viagem com uma análise à obra de Monir Shahroudy Farmanfarmaian. Uma obra que nos leva a encarar-nos ao espelho de uma forma distinta do que fazemos diariamente, associando aos seus, neste caso, múltiplos reflexos, um amor incondicional pela cultura iraniana.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, 1975. Fonte: NYTimes.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Hexagon Rainbow, espelho e vidro invertido pintado em gesso sobre madeira, 2018. Haines Gallery. Fonte: Haines Gallery.

No início da sua actividade artística, Farmanfarmaian saltitou entre pinturas de flores decorativas e colagens severas que lhe assaltavam a memória, mas seriam os seus trabalhos de polígonos revestidos com mosaicos de espelhos os mais celebrados da sua carreira. A primeira obra deste género remonta a 1968 e desde cedo começou a arriscar nas formas destas esculturas que reflectem quem as vê em incontáveis projecções.

Como referido no artigo sobre a sua vida, foi ao visitar a mesquita Shah-e-Cheragh que a artista iraniana ficou fascinada com o efeito que a luz tem em pequenos pedaços de espelho, avançando nesse campo artístico poucos anos depois.

De facto, Farmanfarmaian foi a primeira artista contemporânea a reinventar esta arte de cortar os espelhos em pedaços pequenos e reconjugá-los de forma decorativa em bases de gesso. Esta era uma técnica artesanal persa denominada Ayenek Kari, tradicionalmente passada de pai para filho, e que remonta ao século XVI, quando o vidro importado da Europa chegava ao Irão, a maior parte das vezes, partido. Com a sua obra, presta homenagem aos artesãos e à Arquitectura iranianos e torna em móvel uma Arte que esteve sempre embutida nas paredes.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Sunrise, espelho e vidro invertido pintado sobre gesso em madeira, 2015.
Fonte: Islamic Arts Magazine.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Nonagon, espelho e vidro invertido pintado em gesso sobre madeira, 2011. Haines Gallery.
Fonte: Aware Women Artists.

A produção dos seus mosaicos começava exactamente pelo corte de espelhos ou vidros em diversas formas que depois eram colocados em composições que relembram a Arte Islâmica e o Sufismo, influências muito significativas para a artista. Este trabalho era acompanhado pelo olhar atento de Hajj Ostad Navid, o seu artesão de confiança.

As esculturas de Monir Shahroudy Farmanfarmaian são idealizadas por ela e concretizadas pelos artesãos que trabalham no seu estúdio. A artista mantém-se, no entanto, próxima da produção e faz alterações intuitivas conforme lhe parece mais apropriado.

Entre a Abstracção minimalista e geométrica de uma Nova Iorque avant-garde pós-guerra e o Artesanato iraniano detalhado, produz painéis de parede e trabalhos que se aguentam sozinhos em pé que nos mostram uma interacção entre superfície e textura, luz e reflexo, cor e forma.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian no estúdio, Teerão, 2015. Fonte: FvF.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, instalação Sunset, Sunrise, Irish Museum of Modern Art, 2015. Fonte: Circa Art Magazine.

Como nos é dito num website dedicado à artista: incorporando a pintura tradicional de espelho revertido, mosaicos de espelho e os princípios da geometria islâmica com uma sensibilidade moderna, as suas esculturas e instalações desafiam a categorização simples. De facto, tendo em conta todos os artistas que conheceu, durante os seus anos em Nova Iorque, e toda a envolvência artística que fez parte da sua vida, seria de esperar que tivesse levado para o Irão alguma influência mais concreta e fácil de reconhecer. Muitos historiadores e críticos tentam estabelecer essa ligação, mas foi a própria Monir Farmanfarmaian que indicou que as conexões que criou nesse tempo foram somente a nível pessoal e não artístico.

Contrariamente a outros artistas de espírito geométrico, como Piet Mondrian (1872-1944), Farmanfarmaian não se baseava em teorias filosóficas: o meu trabalho explora a relação entre os símbolos arcanos e as formas geométricas. Mal descobriu os mosaicos espelhados, a artista percebeu que este trabalho não é algo feito espontaneamente; é tudo um cálculo de geometria e design. O que viu, e o que nós vemos nas suas obras, são polígonos e cada um deles, diz-nos, tem um significo inerente: se dividirmos um círculo em três pontos, teremos um triângulo. No Design Islâmico, o triângulo é o ser humano inteligente. Se dividirmos um círculo em quatro pontos, será um quadrado e pode ser Norte, Sul, Este, Oeste. Os cinco lados de um pentágono são os cinco sentidos. E depois o hexágono, octógono e por aí em diante – é infinito.

Numa análise geral, percebemos que as suas obras se focam sobretudo nos hexágonos, algo que acontece devido aos vários significados que esta forma tem, sendo que pode ser representativa das direcções: frente, trás, esquerda, direita, cima e baixo; tal como das seis virtudes: conhecimento, coragem, humanidade, justiça, temperança, transcendência. É ainda uma forma muito comum na Arte Persa, atraindo a Farmanfarmaian pela facilidade com que se divide e pela união sem falhas que formam quando em conjunto.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Lineages, 2017. Savannah College of Art and Design Museum of Art.
Fonte: Daily Serving.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Fourth Family: Hexagon, espelho, vidro com tinta a óleo no reverso sobre PVC, 2013. Savannah College of Art and Design Museum of Art, 2017. Fonte: Daily Serving.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Aram (série Convetible), espelho e vidro invertido pintado em gesso sobre madeira, 2015. Toledo Museum of Art. Fonte: Aware Women Artists.

São vários os nomes da área que consideram que algumas das suas obras chegavam ao nível do espalhafatoso e do Kitsh, sendo que as esferas espelhadas que produziu na década de 1970 podiam funcionar como uma daquelas bolas que vemos nas discotecas.

Em algumas das suas esculturas, há pedaços de vidro que são pintados com tinta a óleo na sua parte posterior. Este elemento faz com que os reflexos produzidos ganhem uma nova dimensão, fazendo relembrar as projecções da luz do sol nos vitrais e rosáceas das igrejas.

Apesar da grande influência na cultura iraniana, a artista local não usa a sua obra como meio de crítica política (com excepção de Lightning for Neda, de 2009, que homenageia Neda Agha-Soltan, morta durante os protestos eleitorais desse ano). Ao invés disso, a forma como os seus espelhos tornam tudo abstracto e irreconhecível, faz com que, naquele momento de visualização da obra, todos se tornem iguais. O espectador é consumido pela peça e multiplica-se no seu interior e no seu exterior, tornando-se parte integrante de um mosaico que se metamorfoseia consoante a luz. As peças espelhadas actuam apenas no presente e a viagem em que nos levam é introspectiva, não política, religiosa ou cultural.

Fonte: MonirFF.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Lightning for Neda, mosaico em espelho, pintura no reverso do vidro, gesso em madeira, 2009. Fonte: QAGOMA.

O desenho, embora muitas vezes relegado para segundo plano, foi sempre uma vertente do seu trabalho e ajuda a perceber a infinidade de possibilidades que a Geometria nos oferece. Ao contrário do que acontece com as suas obras escultóricas, os desenhos são todos realizados apenas por ela, tanto os geométricos (que às vezes fazem parte do processo criativo das esculturas) como os florais.

Há que referir que a sua primeira exposição, em 1958, foi de monótipos com desenhos de flores. E anteriormente, em 1953, desenhou o que viria a ser o símbolo dos sacos do estabelecimento comercial Bonwit Teller, para o qual trabalhou como designer de layout e onde tinha Andy Warhol (1928-1987) como colega.

Os desenhos geométricos, que nos aludem a uma sensação tridimensional e permitem uma maior infinidade do que as esculturas, são mais pensados. Já os desenhos florais são feitos de uma forma mais espontânea e, como alega a artista, quase caligráfica. Desenhar era uma forma que tinha de continuar a ser produtiva artisticamente durante o seu tempo de exílio em Nova Iorque, altura em que não tinha à sua disposição o seu estúdio e os artesãos que nele habitualmente trabalhavam.

Nos dias de hoje, os seus desenhos, que feitos a marcador ou pincel chinês assumem uma forma mais livre, são celebrados como algo que vale por si só e não como meros desenhos preparatórios para as suas peças com espelhos. Por isto, foi muito importante a sua inclusão na exposição antológica que se iniciou no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, e que passou pelo Guggenheim Museum, em Nova Iorque.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Sem Título (D3), marcador, caneta e brilhos sobre papel, 2015. Fonte: GalleriesNow.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Based on Hexagon, marcador e espelho sobre papel, 2013. Haines Gallery.
Fonte: Interview Magazine.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Narges (2), 1987. Fonte: Apollo Magazine.

O tempo de exílio foi também a altura em que criou as caixas de memórias a que chamou Heartaches, nas quais colocava fotografias de família e mais alguns elementos pessoais. Este tipo de criação procede a morte do seu segundo marido Abolbashar Farmanfarmaian por leucemia, em 1991, sendo uma forma que encontrou para o recordar e se reconectar a ele. Estas peças são parte integrante do Monir Museum, no Irão.

Ainda numa nota de curiosidade, é de que referir que, em 1978, Farmanfarmaian criou algumas obras com o auxílio de colmeias. Numa folha criava um desenho com tinta, mel e passas, o que chamava a atenção dos insectos. O resultado final era obtido após a actuação das abelhas no papel, mostrando as direcções que tomaram.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Heartache #12, My Tribal Journeys, materiais diversos, 1994-2005. Fonte: Mutual Art.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Square, aço inoxidável sobre madeira com motor, 2014. Colecção da artista.
Fonte: The Guardian.

Monir Shahroudy Farmanfarmaian no estúdio, Teerão, 2015. Fonte: FvF.

A actividade artística de Monir Shahroudy Farmanfarmaian culmina numa obra que, sem dúvida, se orgulha das suas raízes locais da Arquitectura, do Design de Interiores e da Moda.

A combinação entre o que se vive no interior das mesquitas com o Artesanato e uma abstracção minimalista não pretende chocar ou criticar o mundo, mas apenas permitir um temporário esquecimento de todos esses elementos, deixando-nos centrar em nós próprios. Podermos ver-nos de várias perspectivas (sobretudo físicas, mas que inerentemente se transportam para o lado mais interior) a partir deste portal sem espaço para o infinito que é criado.

Imagem de topo: Monir Shahroudy Farmanfarmaian, Qazvin (pormenor), espelho e vidro invertido pintado, 2006. Fonte: Mutual Art.

3 pensamentos sobre “Monir Shahroudy Farmanfarmaian | Obra

  1. Depois da biografia, gostei muito de conhecer o legado.. A “Nonagon” é absolutamente linda!
    É também muito interessante a ligação entre as suas obras e as formas geométricas, foi algo que aprendi e gostei de descobrir.
    Super interessante é também a técnica com as colmeias.. Fascinante!

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