Georges Seurat | Obra

Toda a vida de Georges Seurat foi dedicada incondicionalmente à Pintura, formando um sem número de regras pelas quais a sua obra se devia guiar. Entre as aprendizagens que retirou dos seus tempos na Academia, do observar das obras dos pintores impressionistas e do interesse pelos avanços científicos das cores e da óptica, conseguiu criar uma técnica inovadora e que, embora com influências, se conseguia distanciar do que tinha sido visto até aqui: o Pontilhismo.

Após um artigo dedicado à parte mais pessoal da sua vida, nos parágrafos seguintes poderão perceber o caminho que levou o pintor francês a esta novidade no campo da Pintura, que viria a torná-lo um dos principais pintores de uma das maiores épocas de criação da História da Arte.

Maximilien Luce, Seurat, litografia, 1890. Kunst und Geschichte. Fonte: Wikiquote.

Paleta de Georges Seurat, cerca de 1891. Musée du Louvre. Fonte: Kottke.

Apesar de frequentar por um curto período de tempo a Academia, é neste meio que Georges Seurat vai aprofundar a sua técnica enquanto desenhista, dedicando-se sobretudo a obras a carvão, que lhe permitiam treinar o traço, mas também as sombras e os volumes. Deste tempo, são apenas conhecidos dois quadros, ambos representativos de um ideal de Arte que se fazia sentir nesse meio de aprendizagem: Ruggero Liberta Angélica e Retrato de Uma Jovem.

Os desenhos de Seurat organizam-se cronologicamente tendo em conta o crescente de claros-escuros, ao mesmo tempo que vai demonstrando um caminhar para a simplificação do motivo, equiparado a Paul Cézanne (1839-1906). Ainda assim, eram motivos inseridos em halos claros e cuja definição através de linhas lhes conferia um lado monumental, algo que marcaria a sua obra.

As críticas que se fizeram notar sobre o Impressionismo, incluindo do seu anterior defensor e escritor Émile Zola (1840-1902), fizeram com que Seurat percebesse o que a Arte daquela época estava a pedir: uma nova pintura que se ligasse à tradição artística ao mesmo tempo que trazia uma força e um carisma novos. Esta sua preocupação fez com que uma nova geração de artistas optasse por seguir os seus métodos, sendo que os mestres do Impressionismo, como Claude Monet (1840-1926) e Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), tiveram pouco seguimento no meio do Salon.

Georges Seurat, Retrato de uma Jovem Mulher, óleo sobre tela, 1878-1879. Dumbarton Oaks House Collection. Fonte: Useum.

Georges Seurat, Desenho sobre o Ilissos do frontão ocidental do Pártenon, lápis sobre papel, 1875. Musée du Louvre.
Fonte: Musée du Louvre.

Nos seus esboços a óleo ou croquetons, como lhes chamava, realizados no atelier que alugou em 1880, Seurat fazia estudos preparatórios para os seus quadros e fazia, de igual modo, experiências de pintura. Estes esboços levavam o artista para um meio progressivamente Impressionista, havendo sempre a representação do Homem no seu meio, sejam eles do mundo rural ou subúrbio, sendo notória uma certa melancolia. Procurava, então, inserir o Impressionismo nas suas bases, sem, no entanto, nunca o assumir, ao mesmo tempo que procurava fugir ao Academismo. Estes esboços relembram muito a obra de Jean-François Millet (1814-1875), um dos integrantes da Escola de Barbizon.

Millet foi, durante os primeiros tempos de Seurat como artista, a sua grande influência, e dele adoptou os temas trabalhados e o tipo de composição em obras como Camponesas durante o Trabalho, que se centram nesta inspiração. A diferença é o menor tom de crítica social feito por Seurat e uma maior atenção dada ao ambiente envolvente e à luz. A forma como representa a luz está ligada às pinceladas dos impressionistas, intimamente ligadas a este tópico.

Georges Seurat, Place de la Concorde, Inverno, giz Conté sobre papel, 1882-1883. The Solomon R. Guggenheim Museum.
Fonte: Guggenheim.

Georges Seurat, Camponesas durante o Trabalho, óleo sobre tela, 1882-1883. The Solomon R. Guggenheim Museum.
Fonte: Pinterest.

Georges Seurat, Camponesa Sentada no Campo, óleo sobre tela, cerca de 1883. The Solomon R. Guggenheim Museum.
Fonte: Guggenheim.

Um dos aspectos da obra do pintor francês é a monumentalidade das telas em que vai trabalhar, algo que vai buscar, por exemplo, ao mestre antigo Nicolas Poussin (1594-1665), mas também ao impressionista Puvis de Chavannes (1824-1898). De ambos adopta igualmente o equilíbrio das composições, algo que veio a ser muito característico no seu trabalho também.

Banhistas em Asnières foi a sua primeira obra monumental, de um total de sete, medindo 2×3 metros. Começou a trabalhar na obra em 1883, acabando em 1884. As cores e as figuras que se mostram imóveis, levam-nos para uma tarde abafada de Verão, sendo que apenas os barcos e o remador à direita nos dão uma ligeira noção de movimento. As figuras assumem-se como anónimas e isoladas.

Embora aqui ainda não aplique o Pontilhismo de forma mais declarada, já é possível vislumbrar um novo trabalhar das cores e da luz, ainda com a adição do halo, tanto a branco como a preto, à volta das figuras, algo que cria uma maior sensação de volume, mas também de profundidade e distâncias. O perto e o longe aliam-se e toda a composição dá realce a cores locais, fazendo com que os tons coloridos estejam esbatidos quase a parecer giz, algo que vai ser visível nestas suas grandes obras.

É na preparação das suas obras que Seurat se vai começar a distinguir dos impressionistas. Estes procuravam trabalhar espontaneamente na Natureza, com o intuito de captar o momento; ele também trabalhava no meio natural, mas dele recolhia inúmeros desenhos a giz e esboços a óleo em pequenas tábuas. Todo o seu trabalho era preparado cuidadosamente no local para, mais tarde, já no atelier, realizar o quadro final, juntando os elementos dos vários estudos. Tinha uma forma de trabalhar de uma disciplina absoluta, algo que era muito diferente a abordagem de trabalho da técnica impressionista.

Georges Seurat, Banhistas em Asnières, óleo sobre tela, 1883-1884. National Gallery. Fonte: National Gallery.

Georges Seurat, Banhistas em Asnières (detalhes), óleo sobre tela, 1883-1884. National Gallery. Fonte: National Gallery.

Entre 1884 e 1886, trabalha Um Domingo à Tarde na Ilha da Grande Jatte, a qual expõe entre Maio e Junho de 1886, numa exposição dos impressionistas. A sua técnica vai ganhar um grande interesse por parte da comunidade artística, fazendo até com que a obra seja exibida pelo comerciante Paul Durand-Ruel (1831-1922), em Paris e Nova Iorque.

Nesta obra já é absolutamente visível a técnica que conhecemos por Pontilhismo, embora Seurat preferisse o termo Divisionismo, sendo que, por vezes, também se referia ao seu trabalho como pintura óptica. E é, essencialmente, nisso que se foca este tipo de obra: no olhar, pois, naquela época, alguns avanços científicos permitiram descobrir o modo como a retina funciona de maneira a formar imagens completas.

Georges Seurat deixou as manchas para trás e dedicou-se a preencher as telas com pontos pequenos que, com a devida distância, se misturam e tornam possível a leitura de uma imagem mais complexa. Os pontos tinham que ter uma escala reduzida, pois em formato maior já não permitiriam a formação desse quadro total.

A estes avanços do campo da óptica, juntou as teorias de Michel-Eugène Chevreul (1786-1889), que Seurat conheceu já perto dos 100 anos. Este químico foi o responsável pelas teorias relativas ao círculo cromático de luz, estudando a harmonia entre cores, os resultados obtidos nas misturas entre elas e, algo importante para o trabalho de Seurat, quais as cores que funcionam melhor quando combinadas, também conhecidas como cores complementares. Seurat testou, então, estas teorias, ao mesmo tempo que estudava os efeitos que podia alcançar com as cores primárias (magenta, amarelo e azul ciano) e as suas complementares (verde, violeta e laranja, respectivamente).

Georges Seurat, Um Domingo à Tarde na Ilha da Grande Jatte, óleo sobre tela, 1884-1886. The Art Institute of Chicago.
Fonte: ARTIC.

Esquerda: Georges Seurat, Mulher sentada com Sombrinha, giz Conté sobre papel, 1884-1885. The Art Institute of Chicago. Fonte: ARTIC.
Direita: Georges Seurat, Mulher a andar com Sombrinha, giz Conté sobre papel, 1884. The Art Institute of Chicago.

Fonte: ARTIC.

Georges Seurat, Um Domingo à Tarde na Ilha da Grande Jatte (detalhe), óleo sobre tela, 1884-1886.
The Art Institute of Chicago. Fonte: DrawPaintAcademy.

Georges Seurat, Um Domingo à Tarde na Ilha da Grande Jatte (detalhes), óleo sobre tela, 1884-1886.
The Art Institute of Chicago. Fonte: Twitter.

Usava cores puras retiradas directamente do tubo e sem as misturar na paleta, algo que faria com que a luminosidades das tintas fosse reduzida – este brilho puro que vai alcançar nas suas obras é uma novidade no campo da Pintura. Aplicava as tintas em pequenas pinceladas que dão, então, essa ilusão de pontos. Na maior parte das vezes, jogava com essa complementaridade cromática, em vez de usar a cor específica que queria, por exemplo: para verde fazia pinceladas em amarelo e azul que, ao observar a obra de longe, nos faz ver os elementos verdes. Deste modo, a tal mistura que se recusa a fazer tanto na paleta como tela, fica a cargo do olhar de quem vê a obra.

Os contornos das figuras e dos vários elementos que compõem as suas obras são também conseguidos através da utilização de pontos que formam linhas para esse efeito. Assim sendo, o ponto é mesmo o elemento principal das obras de George Seurat.

A nível da avaliação formal das figuras humanas que habitam os seus trabalhos, as opiniões divergem um pouco. Alguns críticos consideram que elas evocam a escultura egípcia e grega e até mesmo os frescos italianos do Renascimento, enquanto outros as lêem como um comentário crítico à postura e artificialidade da sociedade parisiense moderna.

Os Modelos, de 1888, viria a ser a sua última obra monumental completamente acabada. O Circo, apresentada no Salão dos Independentes de 1889, ficou por terminar, devido à sua morte repentina. Ambas se inserem num núcleo pictórico que remete para a vida parisiense, com a representação dos nus e dos espectáculos de variedades, como os café-concerto, os cabaret e, claro está, os circos, algo muito comum na época.

Outra temática muito recorrente nas obras de Seurat é o mar, sendo que o pintor viajava frequentemente nas semanas de Verão. Entre o Canal da Mancha, a Normandia, Port-en-Bessin, Crotoy, entre outros, foram sempre viagens nas quais o intuito principal era pintar. As paisagens marítimas davam-lhe algo que ele tanto apreciava trabalhar: a luz; e ao contrário do que muitos pintores fizeram, mostrando-nos mares tempestuosos e em mudança, Seurat dá-nos uma calma tranquilizante, deixando de parte as vidas atribuladas dos portos e até mesmo o colorido que é o areal em tempo quente.

Georges Seurat, Os Modelos, óleo sobre tela, 1886-1888. The Barnes Foundation. Fonte: The Barnes Foundation.

Georges Seurat, A Parada no Circo, óleo sobre tela, 1888. The Metropolitan Museum of Art. Fonte: MET.

Esquerda: Georges Seurat, O Circo (detalhe), óleo sobre tela, 1890-1891. Musée d’Orsay. Fonte: Musée d’Orsay.
Direita: Georges Seurat, O Circo (estudo completo), óleo sobre tela, 1890-1891. Musée d’Orsay. Fonte: Musée d’Orsay.

Georges Seurat, A Praia de Bas-Butin, Honfleur, óleo sobre tela, 1886. Musée des Beaux-Arts. Fonte: Musée des Beaux-Arts.

Georges Seurat, Port-en-Bessin, a Ponte e o Cais, óleo sobre tela, 1888. The Minneapolis Institute of Arts. Fonte: MIA.

A obra de Georges Seurat é inserida no Neo-Impressionismo, movimento esse teorizado e liderado pelo próprio. Paul Signac (1863-1935), que desde sempre acompanhou Seurat na sua descoberta por uma nova forma de pintar, é o responsável pelo termo, sendo o porta-voz do movimento.

Quando Seurat morre, deixa um total de sete pinturas de grande escala, 40 pinturas e esboços menores, cerca de 500 desenhos e vários diários gráficos. Apesar de uma produção menor a nível quantitativo, tornou-se um dos principais pintores de um dos maiores períodos da História da Arte.

Para além de Signac, também Henri-Edmond Cross (1856-1910), Maximilien Luce (1858-1941), Albert Dubois-Pillet (1846-1890) e Théo van Rysselberghe (1862-1926) foram seguidores do seu trabalho. Vincent van Gogh (1853-1890) tem, por entre as suas várias obras, alguns trabalhos onde dá uso ao Pontilhismo, acabando por o deixar de parte mais tarde. Já Pablo Picasso (1881-1973), Piet Mondrian (1872-1944) e Wassily Kandinsky (1866-1944) também experimentaram a técnica, mas apenas em fases iniciais das suas carreiras.
Ainda assim, a técnica acaba por ser abandonada uns anos mais tarde, pois os artistas preferiam a pincelada mais compacta e rápida em vez do ponto.

Georges Seurat, Jovem a Empoar-se, óleo sobre tela, 1888-1890. Courtauld Gallery. Fonte: Courtauld Gallery.

Paul Signac, O Palácio dos Papas em Avinhão, óleo sobre tela, 1900. Musée d’Orsay. Fonte: Musée d’Orsay.

Albert Dubois-Pillet, O Marne ao Amanhecer, óleo sobre tela, 1888. Musée d’Orsay. Fonte: Musée d’Orsay.

Georges Seurat teve um tempo de actividade muito limitado, mas isso não o impediu de dar à Pintura um novo rumo. Ao conjugar a abordagem tradicional do academismo com as técnicas modernas do Impressionismo, mostrou que estes dois universos distintos se podiam unir para alcançar algo superior a ambos. Ainda não satisfeito, enveredou pelo campo das teorias ópticas que lhe permitiram usar as cores, relacionando-as de uma forma que nunca tinha acontecido até aqui. O pintor dá os primeiros passos, mas cabe a quem visualiza a obra ter o distanciamento essencial para a conseguir ver com uma imagem total e uniformizada.

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