Dia Internacional do Orgulho LGBTIQ+ em 5 Obras

Hoje, dia 28 de Junho, assinala-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQI+.
Esta podia ser só mais uma data escolhida por uma organização, mas neste dia, em 1969, começou a revolta de Stonewall, em Nova Iorque. Stonewall consiste na realização de várias manifestações, leves e também violentas, das pessoas da comunidade LGBTIQ+, após uma invasão da polícia desta cidade. As pessoas tornaram-se violentas a partir do momento em que a polícia decidiu agir dessa forma. Estes tumultos, que terminaram no dia 3 de Julho, serviram como o impulso necessário para o movimento da libertação gay, mas também para o cada vez mais afincado reclamar dos mesmos direitos para a comunidade, que começou por se dar só no país, mas que rapidamente se propagou por muitos outros, tornando-se um símbolo distintivo de acontecimentos marcantes do século XX.

Por este motivo, não só este dia como todo o mês de Junho são conhecidos como a altura do ano em que as bandeiras arco-íris saem à rua numa constante de manifestações que mostram quem estas pessoas são e o que tentam combater, sendo que tudo o que pedem é que lhes sejam dados os mesmos direitos que à restante população e a liberdade para viverem sem medo de mostrarem quem são.

Há ainda muito a fazer para garantir o bem das pessoas desta comunidade e por isso trago-vos 5 obras de artistas variados e que nela se inserem. Desde manifestação de orgulho por quem são e pelo caminho que percorreram até se sentirem bem no seu corpo, como demonstração de uma luta interminável e que homenageia quem já partiu.

1. Gilbert & George, The Tuileries, 1974.

Gilbert & George, The Tuileries, carvão sobre papel e sobre mobiliário de cartão, 1974, MoMA. Fonte: MoMA.

Gilbert Prousch (n. 1942) e George Passmore (n. 1943) são uma dupla de artistas britânicos que começaram a criar juntos em 1967, sendo que desde o início que se assumem como figurantes nas suas obras. Focam problemas sociais, taboos e as convenções artísticas, não tendo problema em, por exemplo, mostrar os seus corpos despidos, assumindo-os como uma figura de vulnerabilidade e não da força normalmente associada ao corpo masculino. Com inspiração sobretudo na cidade de Londres, confrontam as questões fundamentais da existência, como o sexo, a religião, a morte, a tensão racial, entre outros.

The Tuileries foge, no entanto, a esse mundo londrino e leva-nos para um bosque. Esta obra, das poucas do catálogo de Gilbert & George que efectivamente tem peças tridimensionais (algo a registar, sendo que o duo considera todas as suas obras como escultura), é uma instalação composta por desenhos em tamanho real e por mobiliário de cartão, ambos elementos cobertos por desenhos a carvão dessa imagética das árvores e das folhas no chão. No desenho central vemos, então, a representação habitual dos dois artistas.

Embora possa parecer algo relativamente simples, esta instalação remete para a prática de cottaging – homens a praticar sexo casual nos bosques. O Jardim das Tuileries, em Paris, era um local conhecido por ser frequentado pela comunidade homossexual, na década de 1970, altura de produção desta obra. Mesmo remetendo para um local específico francês, a melancolia que estes desenhos nos mostram revela também uma dimensão social, representando o que sentiam os casais homossexuais na década de 1960.

Gilbert & George, ao inserirem a sua imagem nesta obra, assumem-se também eles como parte integrante desta comunidade.
O duo teve desde sempre o mantra de criar arte inclusiva para todos e o mobiliário reflecte isso mesmo, convidando o público, seja ele de que raça, orientação sexual ou contexto social de que for, a aproveitar as Tuileries juntamente com eles.

2. João Pedro Vale, Pink Triangle, 2002.

João Pedro Vale, Pink Triangle, tecido, 2002. Fonte: JoãoPedroVale.

João Pedro Vale, Pink Triangle, tecido, 2002. Fonte: JoãoPedroVale.

João Pedro Vale (n. 1976) tem formação em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da universidade de Lisboa, tendo também estudado na Escola Maumaus, na mesma cidade. Trabalha em vários meios, desde a fotografia, a instalação, a performance e, claro está, a escultura. Desde 2004 que colabora em vários projectos com Nuno Alexandre Ferreira (n. 1973), que também passam pela produção de exposições e filmes. Uma obra, em grande parte, virada para temas sociais, destacando-se aqueles associados à comunidade LGBTIQ+.

Tal é o caso da obra apresentada. Pink Triangle leva-nos para o mundo das bandeiras, que muito se vêem neste mês de Junho. Porém, aqui não vemos as seis cores em riscas horizontais, mas apenas um tecido cor-de-rosa. Nele estão bordadas indicações de como dobrar uma bandeira, esta bandeira, em forma de triângulo. Esta forma poderia remeter para as bandeiras que são apresentadas às famílias de militares que morrem em serviço, e que vemos em tantas cenas de filmes americanos, mas não tem nada a ver. Na verdade, o resultado final desta dobragem, o triângulo cor-de-rosa, é o símbolo com que os homossexuais eram identificados nos campos de concentração nazi. Um objecto que parece tão inofensivo, mas que, após algumas alterações, nos leva para um marco negro da História Mundial e também da História da comunidade LGBTIQ+.

3. Yishay Garbasz, Becoming, 2010.

Yishay Garbasz, Becoming, zootropo, 2010. Fonte: Yishay Garbasz.

Yishay Garbasz, Becoming, zootropo, 2010. Fonte: Yishay Garbasz.

Nascida em Israel, Yishay Garbasz (n. 1970) é uma artista interdisciplinar com trabalhos sobretudo na área da fotografia, performance e instalação. As suas obras exploram memórias traumáticas, sendo que a artista se move pelo desejo que tem de ver o lado mais sombrio que a humanidade tem para oferecer, de forma a usar o seu trabalho para o iluminar. Explora as questões de género, mas também se dedica a representar comunidades afectadas pelas guerras e desastres, conseguindo tornar visível algo que está escondido.

Becoming mostra dois anos do antes e depois da cirurgia de clarificação de género pela qual a artistas passou em Novembro de 2008. Durante esse período, fotografou-se todos os dias como forma de registar as mudanças pelas quais o seu corpo passava. De um total de 1886 fotografias, foram seleccionadas 32 para integrar o zootropo e um flip book. Estes são produtos finais desta recolha e ambas obrigam à utilização de movimento para a visualização correcta das imagens. Este foi o segundo maior zootropo criado até então, tendo dois metros de altura e três metros de largura.

Ao mostrar a sua transformação, pretende fugir à habitual representação do “antes e depois” que normalmente cria uma visão a preto e branco do que é um corpo, dando a penas a opção de “homem ou mulher”. Yishay Garbasz pretende, de igual modo, passar a mensagem de que não há nada de que nos devamos envergonhar com o nosso corpo, sendo ele aquilo que nos transporta pela vida.

4. Molly Vaughan, Project 42, 2012-.

Molly Vaughan, Project 42: Brandy Martell, 400 block of 13th Street near Franklin Street, Oakland, CA, Tecido, 2016.
Fonte: FineArtVaughan.

Molly Vaughan, Project 42: Lorena Escalera Xtravaganza, 43 Furman Avenue in Bushwick, Brooklyn, NY, tecido, 2018.
Fonte: FineArtVaughan.

Molly Vaughan (n. 1977) começou a produzir enquanto artista transgénero em 2011 e é exactamente daí que parte a inspiração para as suas obras, que normalmente funcionam como séries. Nascida em Inglaterra, actualmente é professora assistente de Arte na Bellevue College, em Washington.

O Project 42 teve início em 2012 e só terminará quando forem realizadas 42 peças memoriais a indivíduos transgéneros assassinados. Aqui, o 42 representa a idade média expectável que alguém da comunidade trans tem nos Estados Unidos da América, servindo não só como algo simbólico, mas também como forma de criar uma conversa em torno das dificuldades pelas quais atravessam estas pessoas, principalmente a nível de violência.

Cada peça consiste num tecido coberto por um mapa recolhido no Google Earth e que mostra o local onde uma vítima específica foi assassinada. Após algumas alterações em Photoshop, que resultam num padrão abstracto e colorido, esta imagem é então aplicada em forma de vestido. Vaughan tem uma equipa de colaboradores (alguns voluntários, outros também eles artistas) a quem diz que pessoa em questão vão interpretar, dando-lhes alguns factos biográficos, mas sem dar directrizes de como devem agir. A performance acontece a partir daí. Ao dar vida a estas pessoas, os colaboradores estão a devolver-lhes a humanidade que lhes foi retirada, primeiro pelo momento em que perderam a vida e depois pelo tratamento que é dada à sua história e identidade pela polícia e pelos media. Não só é um acto de memória como também de activismo. O produto final representa-se nos vestidos e nas imagens recolhidas no momento em que estas pessoas voltam à vida.

5. Heather Fazzino, Pride Herstory, 2021.

Heather Fazzino, Pride Herstory, montagem digital, 2021. Fonte: Patch.

Heather Fazzino (n. 1990) segue as pisadas do seu pai e artista pop Charles Fazzino (n. 1955), tendo demonstrado uma grande aptidão artística desde cedo. Dedicou-se a explorar vários meios, técnicas e cores, até chegar ao seu estilo próprio e distintivo, combinando a Pop Art com a Rinpa Japonesa, uma escola decorativa do século XVII. As suas obras reflectem a força e a necessidade de expressar emoções características da juventude dos dias de hoje, ao mesmo tempo que recolhem influências antigas.

Sendo ela própria membro da comunidade LGBTIQ+, faz ainda mais sentido que a obra em questão tenha sido uma das escolhidas para integrar a exposição Queer Art (1950’s-2021), como forma de celebrar o Mês do Orgulho, entre obras de outros artistas como Andy Warhol (1928-1987) e Keith Haring (1958-1990). Pride Herstory, foge um pouco ao trabalho típico de Fazzino, baseando-se numa montagem digital. Por entre uma paleta de tons pastel da bandeira LGBTIQ+, podemos ver várias imagens da revolta de Stonewall. Em primeiro plano vemos uma fotografia de Sylvia Rivera (1951-2002) e Marsha P. Johson (1945-1992) que lideraram a multidão e são conhecidos elementos e símbolos da revolução e luta contra a desigualdade a que são submetidas as pessoas pertencentes a esta comunidade e não só. As Drag Queens estiveram na linha da frente e, apesar de tudo, são das mais sacrificadas, ainda nos dias de hoje e por isso estas imagens e esta revolução continuam, infelizmente, a ser necessárias.

Estes são apenas cinco exemplos de um conjunto enorme de obras-de-arte que existem relativamente à comunidade LGBTIQ+. Sejam elas de memória a quem foi vítima por ser simplesmente quem é, uma forma de chamar a atenção para os problemas que existem e que devemos ajudar a combater, ou até uma forma de celebrar todo o bom que estas pessoas fazem e trazem ao mundo, existe todo um espectro artístico que as valoriza e que merece ser conhecido.

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