A morte e as doenças são, desde sempre, uma constante preocupação na vida da Humanidade. Com novas bactérias e micróbios surgem novas doenças e com elas a necessidade de descobrir formas de as combater ou erradicar completamente. O avançar dos anos e todas as inovações tecnológicas permitem que esse caminho seja feito de maneira mais simples, rápida e eficaz, mas mesmo os povos antigos encontraram formas de se precaver e tornar a sua saúde melhor.
O Museu da Farmácia do Porto mostra-nos estas evoluções todas. Desde os primeiros micróbios, às pandemias, às novas doenças, mas também as descobertas marcantes do mundo da farmácia e da medicina, como as vacinas, os antibióticos e a penicilina, que tornaram possível ao mundo sonhar com uma maior longevidade vivida com mais saúde. Esse espaço é o tema do presente artigo.

A vontade de criar um Museu da Farmácia em Portugal era já antiga, mas a iniciativa foi sendo constantemente adiada, devido a vários factores. 1981 marca o ano em que a Direcção da Associação Nacional das Farmácias lança um apelo para que todas as farmácias portuguesas doassem peças para constituir o acervo do futuro museu. Para além disto, entre 1997 e 2010, este acervo cresceu ainda mais com a procura de peças em leilões e coleccionadores privados. Desta forma, reúne-se uma colecção que permite contar a história da farmácia portuguesa, mas também mundial, constituindo no seu conjunto uma referência a nível internacional.
A concretização da vontade dos farmacêuticos portugueses acontece em 1996 com a abertura do Museu da Farmácia de Lisboa e novamente em 2010 com a inauguração de mais um pólo expositivo no Porto.

Tigelas, frascos, garrafas e ungentários diversos.

Boiões de Farmácia, porcelana, Paris, século XIX.
São cinco mil anos de História que acompanham diversas civilizações, como a Mesopotâmia, o Egipto, Roma, os Astecas, África, o Japão, entre outros. Todos eles desenvolveram utensílios, métodos e remédios para combater a doença e a morte. Muitos desses objectos estão em exposição no Museu da Farmácia do Porto, mas a mostra começa com algo que nos leva até há 500 milhões de anos, fazendo-nos perceber há quanto tempo a Terra é habitada e por que tipo de seres.
A exposição do Museu da Farmácia do Porto está então dividida de acordo com as civilizações e cada uma das secções inicia-se com um texto que explica quais os principais problemas que estes povos enfrentaram, mas também as inovações, técnicas e objectos criados e utilizados. São várias as peças apresentadas em cada sector, algumas extremamente características da cultura de que fazem parte, sendo identificáveis só ao olhar, como as Hydrias gregas – os conhecidos vasos cerâmicos com figuras.

Fósseis (570-505 milhões de anos) e âmbar com mosquito (40 milhões de anos).

Hydria, cerâmica, Apúlia (Grécia), século IV a.C.

Estatueta de mulher grávida ajoelhada, cerâmica, Povo Indígena Nayarit (México), c. 100 a.C. – 250 d.C.
Tendo em vista o acompanhar das várias civilizações e o avançar nas descobertas científicas, o espaço organiza-se, logicamente, por ordem cronológica, tornando também mais fácil perceber como é que certos avanços ou criação de objectos levaram a algo mais concreto nos anos e séculos que se seguiram. Acompanhamos o avançar da Ciência tal como ele aconteceu.
Toda a zona expositiva é ladeada por uma parede onde podemos ver uma cronologia com os principais avanços na área farmacêutica. Ainda a nível de características do museu é de salientar que várias peças têm um código QR que, ao ser lido pelo telemóvel, dá acesso a um vídeo explicativo sobre esse objecto e a civilização a que pertencia. Há também várias zonas interactivas que permitem tocar e cheirar, igualmente acompanhadas por uma narração explicativa. No fundo, para onde quer que olhem e onde quer que parem, há sempre uma ponte para o conhecimento, nunca ficando nada por explicar.


Almofariz, mármore, Casa Real Portuguesa, 1763.

Entre vasos de farmácias, almofarizes, microscópios, garrafas, frascos, estatuetas, máscaras, cartazes e farmácias portáteis, são várias peças de grande valor não só histórico e científico, como também artístico. Algumas são semelhantes ao que se usa nos dias de hoje, mas há outras que sofreram uma grande evolução até chegarem à forma com que se apresentam hoje em dia e ainda bem, pois alguns dos exemplares expostos dão um certo medo só de pensar como seria utilizá-los.
Estes objectos, para além de marcarem as evoluções conseguidas por cada civilização, são também, em alguns casos, muito característicos das práticas levadas a cabo por esses mesmos povos, algumas que se mantiveram nesses territórios e outras que se foram implementando lentamente no mundo científico, médico e farmacêutico global. Tal são exemplo um modelo anatómico proveniente da China que mostra os pontos exactos para a realização de Acupunctura, os toucados de curandeiros e as máscaras de cura utilizadas na América do Sul ou os vasos para colocar as vísceras de quem era sepultado em sarcófagos provenientes do Antigo Egipto.
Para além da diversidade de objectos, podemos ver a variedade de materiais utilizados com o avançar dos tempos, passando por muita madeira e cerâmica, que nunca deixam de ser usadas, até chegar a peças de metais, prata, vidro, madrepérola, etc. A disponibilidade dos recursos e o uso que se dá às várias matérias fica assim também eternizada na história da farmácia.
Esquerda: Frascos e Seringa de Clister, França, século XIX.
Direita: Irrigador vaginal, porcelana e latão niquelado, França, século XIX.
Esquerda: Carta médica anacrónica, Tibete, século XVIII-XIX; Modelo Anatómico, madeira, China, século XIX.
Centro: Toucados de curandeiro e máscaras para cura através do som, América do Sul, século XX.
Direita: Vasos de vísceras, alabastro, Egipto, 664-525 a.C.

Taça Nautilus (despiste de venenos), prata dourada e concha, França, 1810-1820.

Farmácia Portátil da Família Imperial Russa (Romanov), várias madeira com embutidos de carapaça de tartaruga, madrepérola e aplicações em metal, Rússia, c. 1820.
Se pensam que o que foi descrito até aqui representa a totalidade da exposição do Museu da Farmácia do Porto, estão enganados. Após as vitrines com todas estas peças, têm a oportunidade de ver duas farmácias. Sim, leram bem, duas farmácias que não só são à escala real como são recriações autênticas de espaços que outrora estiveram ao serviço da população.
De um lado, há a reconstituição da Farmácia Estácio, que teve as portas abertas na Rua Sá da Bandeira, no Porto, tendo sido inaugurada em 1924. Para além dos vários frascos que enchem os armários altos, é também possível ver embalagens de alguns produtos que se vendiam na altura, como sabonetes e pastas dentífricas. De interior adornado e requintado, com muitos espelhos e detalhes em dourado, é decorada com bustos em relevo de várias personalidades da comunidade cientifica e farmacêutica. A Farmácia Estácio tornou-se um ex-libris da cidade invicta devido à sua balança falante que, infelizmente, não faz parte da reconstituição no Museu, pois a farmácia original foi alvo de um incêndio, em 1975, que destruiu grande parte do seu interior, incluindo essa balança.
Do outro lado, há uma farmácia completamente distinta. Falo de uma Farmácia Islâmica do Império Otomano que existia no interior de um palácio em Damasco, na Síria, no século XIX. Damasco tinha, desde o século IX, uma forte componente no desenvolvimento do ensino e do exercício farmacêutico e por isso este local terá funcionado exactamente como centro de ensino e botica. A sua existência no interior do palácio relaciona-se não só com o uso por parte dos que nele vivem, mas também para facilitar o acesso a medicamentos e cuidados de saúde às populações que habitam essa zona. Esta farmácia é como que um grande foco luminoso, com os pequenos espelhos a reflectir luz em todas as direcções, luz essa que se agarra ainda nos detalhes dourados que, assim, brilham mais. Para além destes detalhes luminosos, são várias as cores e desenhos que complementam o espaço, bem como alguns inscrições invertidas para serem lidas através dos espelhos.

Farmácia Estácio, madeira esculpida e pintada, Porto, 1924.

Vitrines da Farmácia Estácio, Porto, 1924.

Farmácia Islâmica do Império Otomano, madeira esculpida, pintada e dourada, Damasco, século XIX.

Tecto Farmácia Islâmica do Império Otomano, madeira esculpida, pintada e dourada, Damasco, século XIX.
O corredor que nos leva de volta à recepção mostra-nos ainda os marcos farmacêuticos mais recentes, como a criação da pílula contraceptiva, a descoberta da penicilina, a insulina, as vacinas, etc. Com o mundo a atravessar uma pandemia, será motivo para aguardar como irá a Covid-19 ser representada no Museu da Farmácia, para além dos já conhecidos dispensadores de álcool-gel que povoam o espaço e a obrigatoriedade do uso de máscara.


O Museu da Farmácia, juntando os pólos expositivos do Porto e de Lisboa, é o mais completo na área da saúde a nível mundial, devido ao seu vasto espólio. É de referir que este espólio continua a crescer e que para além do que é possível ver em exposição, há ainda uma série de peças que se escondem nas reservas. O visitar deste espaço proporciona-nos uma viagem no tempo que, mesmo nos objectos mais antigos, nos cria um deslumbramento de tudo o que tem vindo a ser feito até aqui.
O Museu da Farmácia do Porto, na Rua Engenheiro Ferreira Dias, pode ser visitado de Segunda a Sexta-Feira das 10h00 às 18h00 e aos Sábados das 14h00 às 18h00. Os preços variam entre os 4€ e os 6€ havendo vários descontos possíveis de aplicar.
Para mais informações, podem consultar: Museu da Farmácia.
Imagem de topo: Frascos variados, vidro, Alemanha e Áustria, século XVIII.