Roger Ballen – My Mind is a Cage | Centro Português de Fotografia

No passado dia 10 de Julho, inaugurou no Centro Português de Fotografia (CPF), localizado na Antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, a exposição My Mind is a Cage, na qual podemos ver décadas de trabalho do fotógrafo norte-americano Roger Ballen. É sobre essa mostra fotográfica, que conta com a curadoria de Ângela Ferreira, o presente artigo.

Roger Ballen nasceu em 1950, nos Estados Unidos da América, mas já há mais de 30 anos que se encontra radicado em Joanesburgo, na África do Sul. Chegou ao continente africano por intermédio do seu trabalho como geólogo e ao explorar o campo decidiu começar a utilizar a sua câmara para documentar as pequenas cidades que visitava. Entre as ruas e as casas dos habitantes destes locais, Ballen descobriu o caminho que o levaria a tornar-se um dos mais conceituados fotógrafos deste tempo. O interesse pelo interior da mente passa a ser o motivo principal do seu trabalho, mais do que o aspecto dos locais ou das pessoas que fotografa.

Deixando a representação da vida do campo para trás e já fixado em Joanesburgo, dedicou-se à fotografia a preto e branco num formato sobretudo quadrangular. Começando pela tradição da fotografia documental, acaba por se fixar num estilo que o próprio denomina de “ficção documental”. A partir dos anos 2000, as pessoas que escolhe como actores são as mesmas que outrora fotografou por viverem à margem da sociedade e comunidade sul-africana, mas que deixam de ser representadas por viverem o dia-a-dia no seu ambiente natural para se mostrarem ao interpretar as personagens que Ballen define para elas. Ainda assim, a linha entre a realidade e a ficção apresenta-se extremamente ténue.

Para além de pessoas, as fotografias de Ballen mostram, muitas vezes, outras personagens como adereços, bonecos e até animais que aparecem em cenários criados por ele com recurso ao desenho, à pintura, à colagem, à escultura, entre outros. Exemplo disso são as séries Boarding House e Asylum of the Birds, sendo que nelas a presença humana se resume à mostra de partes específicas do corpo, que quase dão uma ideia de desmembramento.

Roger Ballen, Cat Catcher, série Outland, 1998.

Roger Ballen, Show Off, série Outland, 2000.

A obra de Roger Ballen não se resume à fotografia nem à fotografia aliada ao desenho, há também o lado das curtas-metragens que se interligam com as séries de imagens fotografadas, seguindo a mesma estética, algo que as torna complementares. Se algumas das fotografias já nos assaltam como algo cheio de vida, os vídeos tornam o cenário do artista ainda mais real.

Ballen cria imagens perturbadoras, mas que nos são familiares e talvez por isso o incómodo esteja tão presente durante toda a visita à exposição. São, acima de tudo, a representação de uma jornada por aquilo que é a nossa mente que, como sabemos, nem sempre é um espaço feliz e caloroso. Em My Mind is a Cage, o fotógrafo convida-nos a fazer uma viagem à nossa mente através de uma viagem pela sua mente.

A arte mais importante é aquela que se implanta dentro do subconsciente humano.

Roger Ballen, Bite, série Boarding House, 2007.

Roger Ballen, Fragments, série Boarding House, 2005.

Esquerda: Roger Ballen, Lunchtime, série Shadow Chamber, 2001.
Direita: Roger Ballen, One Arm Goose, série Shadow Chamber, 2004.

Esta exposição leva-nos numa viagem de fotografias de personagens com cuja vivência podemos não nos identificar (animais, pessoas à margem da sociedade e até objectos inanimados), mas que têm trespassam uma carga psicológica com a qual nos conseguimos associar. Não que o facto de existirem coisas e vivências “perturbadoras” seja uma novidade para quem visita a exposição, simplesmente é um lado da vida que escolhemos ignorar, embora ele esteja sempre lá presente, mesmo que só na nossa mente.

O local para a escolha da exposição destas imagens representa uma vontade já antiga de Ballen de expor nos espaços da Antiga Cadeia e Tribunal da Relação do Porto. A prisão que outrora funcionou simboliza tanto a dificuldade de encontrar a nossa mente como também a dificuldade que temos de sair dela, ajudando nesta que é uma experiência imersiva que nos leva pelo universo que o próprio denomina de “Ballenesque” e no qual associa o grotesco a algo quase surreal.

Tal como nos diz Ângela Ferreira, trata-se de uma exposição inédita em Portugal que apresenta as principais séries do autor, realizadas entre 1980 e 2020, e revela algumas imagens iconográficas da sua trajectória artística de quase 50 anos, transportando o visitante para um enigma de metamorfoses reais e simbólicas.

Roger Ballen, Imprisoned, série The Rats, 2014.

Roger Ballen, Dogfellows, série The Rats, 2014.

O caminho traçado para a visita acompanha o avançar do percurso do fotógrafo americano, sendo possível verificar a tal mudança entre o acto de documentar e o de criar uma ficção que possa retratar do mesmo modo. A realidade e o documental versus a ficção e o teatral.

Num total de quatro salas, três delas são dedicadas às séries Plateland, Outland, The Rats e as já mencionadas Boarding House e Asylum of the Birds, das quais podemos ver algumas fotografias aliadas a frases marcantes do próprio artista. Na última sala, podemos ver algumas das suas curtas-metragens que se interligam a esse trabalho fotográfico. Se as fotografias são incómodas, esta sala tem um efeito ainda mais forte, mas que não deixa de ser necessária de ver. Ainda no registo do vídeo, há uma colaboração com a banda Die Antwoord para a música I Fink U Freeky, que se destaca como sendo um registo um pouco distinto das restantes obras, mas que segue ainda o modo a preto e branco, bem como o constante questionar da existência humana.

Após uma visita a esta exposição, por mais que tentem libertar o vosso subconsciente das imagens que viram é garantido que elas vão perdurar nas vossas mentes. Há, depois, um caminho que se faz para perceber o que torna as fotografias tão perturbadoras e é mesmo isso que a dimensão performativa do trabalho de Ballen aliada à fotografia documental e à exploração psicológica nos pede.

Em cima, à esquerda: Roger Ballen, Headless, série Asylum of the Birds, 2006. À direita: Roger Ballen, Funeral Rites, série Asylum of the Birds, 2004.
Em baixo, à esquerda: Roger Ballen, Artist, série Asylum of the Birds, 2013. À direita: Roger Ballen, Serpent Lady, série Asylum of the Birds, 2009.

My Mind is a Cage pode ser visitada até ao dia 10 de Outubro, no Centro Português de Fotografia, de terça a sexta-feira das 10h às 18h e aos sábados, domingos e feriados das 15h às 19h. A entrada é gratuita.
Para mais informações, podem consultar: CPF-My Mind is a Cage.

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