Foram já duas as vezes que o Tribunal da Relação do Porto foi mencionado aqui pelo proximArte, sendo que este ano tem sido marcado por um sem fim de exposições, como foi o caso da de Armanda Passos e a de Nadir Afonso, para celebrar o 60º aniversário da sua inauguração.
Neste artigo, porém, o tema recai sobre um espaço e uma exposição que ocupam permanentemente o edifício: o Museu Judiciário.


Começando com um pouco de contexto, há que dizer que o edifício do Tribunal da Relação do Porto, construído no local do antigo mercado do peixe, foi inaugurado a 29 de Outubro de 1961. Desenhado pelo arquitecto Rodrigues de Lima (1909-1980), os seus oito pisos estão carregados de elementos artísticos, tanto no exterior como no interior. Exteriormente, esta construção reflecte a plástica do regime do Estado Novo, aquele que vigorava na época. A nível escultórico, ainda na fachada, é de destacar a estátua colossal da Justiça, da autoria de Leopoldo de Almeida (1898-1975), sendo que esta obra é uma das maiores estátuas pedestres portuguesas, tendo cerca de sete metros de altura.
Passando agora para o interior do Palácio da Justiça, a linguagem artística distingue-se completamente da que até aqui foi mencionada. Entre baixos-relevos, pinturas e frescos, tapeçarias e esculturas, são cerca de cinquenta obras de vários artistas que podem descobrir nos oito pisos, seja nos denominados Passos Perdidos ou nas salas de audiências e gabinetes. Estas peças rompem com o formalismo da época e centram-se na História, sobretudo a da cidade do Porto. Cada uma delas faz-se acompanhar de um QR code que nos dá todos os detalhes em relação que está à nossa frente. Muitos dos artistas aqui representados viriam a afirmar-se como grandes nomes do panorama artístico português, sendo de destacar Henrique Moreira (1890-1979), Júlio Resende (1917-2011), Eduardo Tavares (1918-1991), Dordio Gomes (1890-1976), Isolino Vaz (1922-1992) e, mais recentemente, Armanda Passos (1944-2021). É no quinto piso que se concentra o maior número destas peças, sendo também elas algumas das mais imponentes e relevantes. Aqui fica ainda a Sala de Audiências da Relação e, a ela contígua, a Sala de Sessões do Tribunal da Relação, também elas possíveis de ser visitadas.


Leopoldo de Almeida, Justiça, bronze, c. 1960. (baixo relevo de Euclides Vaz)

Dordio Gomes, Cortes de Leiria de 1254, 1961, Sala das Sessões do Tribunal da Relação.


Jaime Martins Barata, Casamento de D. João I, 1961, Sala de Audiências da Relação.
É neste quinto piso que encontramos o Museu Judiciário do Tribunal da Relação do Porto, anexo à área da Presidência. Este reúne uma colecção de objectos diversificados que traçam a história não só do Tribunal da Relação, como também da própria cidade do Porto e do mundo judiciário em geral. Este espaço é denominado Sala D. Pedro V e foi, ao longo de vários anos, um local de armazenamento para vários objectos e documentos jurídicos, que a seu tempo se transformou num acervo histórico digno de ser partilhado. Foi isso que levou à criação do Museu Judiciário, que rapidamente se tornou uma referência cultural na cidade, conseguindo de igual modo alcançar uma elevada projecção internacional.
É importante notar que apesar do Palácio da Justiça do Porto celebrar, como referido, este ano o seu 60º aniversário, muitos dos elementos que constituem o Museu Judiciário remontam a anos e séculos anteriores, pois estão ligados à Casa da Relação do Porto, cuja lei e regimento se estabeleceram ao ano de 1582.
Por entre várias vitrinas e prateleiras que se dispõem ao longo desta sala, podemos encontrar alguns elementos icónicos relacionados com a actividade jurídica, como é o caso das togas, tômbolas para sorteio de processos, mala de dactiloscópia, entre outros. Em algumas das montras que se encontram ao centro da sala estão dispostos livros também eles ligados à actividade judiciária e da cadeia: registos de visitas, informações para o poder moderador, o Código Comercial Portuguez escrito por Ferreira Borges (1786-1838) e ainda de destacar a carta que o Rei Filipe I (Filipe II de Espanha) dirigiu à Câmara do Porto a solicitar a instalação da Casa da Relação do Porto.

Tômbola para sorteio de processos.

Mala de Dactiloscópia, 1930 a 1970.

Manuscritos de José Ferreira Borges.
É também possível encontrar os processos de alguns dos mais mediáticos casos levados a julgamento na cidade, como é exemplo o processo do escritor Camilo Castelo Branco e Ana Plácido acusados de adultério; de José Teixeira da Silva, “Zé do Telhado”, que cometeu vários crimes com violência e foi condenado a trabalhos forçados para o resto da vida; ou do médico Urbino de Freitas que cometeu inúmeros homicídios por envenenamento, tendo em vista uma herança. Sobre estes e outros processos podem saber mais pormenores numa visita ao local, pois cada um deles é acompanhado por uma legenda que contém um resumo do caso.
De destacar ainda as peças iconográficas que podemos observar nesta sala. Ligada ao nome que o espaço tem, há um retrato de D. Pedro V, uma obra de António Manuel da Fonseca (1796-1890) datada de 1860. Sendo conhecida a relação afectiva que o monarca mantinha com a cidade invicta, não é de admirar que este quadro tenha sido, crê-se, oferecido à Relação por ele mesmo. Começou por encabeçar a Sala do Antigo Tribunal da Relação e agora tem igual lugar de destaque no Museu Judiciário.
A Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal, aparece em duas obras. A primeira é uma figura de madeira estofada e policromada, que remonta à segunda metade do século XVIII. A segunda insere-se num altar oratório da autoria de Damião Pereira de Azevedo (1768-1815) e mostra-se num painel pintado a óleo numa composição de grande valor artístico que se pensa pertencer a João Glama Ströberle (1708-1972) que viveu no Porto no último quartel do século XVIII, portanto contemporâneo à Casa da Relação.

Processo de querela contra Ana Augusta Plácido e Camilo Castelo Branco.

António Manuel da Fonseca, D. Pedro V, 1860.

Altar de Nossa Senhora da Conceição, final do século XVIII.
Ao visitar este espaço, serão acompanhados pelo seu responsável que vos dará as informações mencionadas neste artigo e ainda mais. Ficarão a saber todos os pormenores desde a fundação da Casa da Relação do Porto até ao modo como se chegou ao Tribunal que hoje podemos visitar. Para além deste acompanhamento, todos os objectos estão identificados com legendas e alguns, como já mencionado, com uma pequena anotação à história que os envolve. Se o mundo judicial não é o vosso forte, vão ficar a saber muito mais.
O Museu Judiciário do Tribunal da Relação do Porto pode ser visitado de Segunda a Sexta-feira das 9h às 12h30 e das 13h30 às 17h. A visita é gratuita e pode ser marcada através do número 222 092 600 ou através da página de Instagram.
As obras que se localizam pelos Passos Perdidos dos vários andares são de visita livre.
Para mais informações podem consultar o Website do Museu Judiciário.