António Teixeira Lopes | Obra

A emoção com a qual António Teixeira Lopes carregava as suas obras valeu-lhe uma carreira artística repleta de um sem fim de encomendas. Provenientes de todo o país, mas também do estrangeiro, são muitos os espaços marcados pelas peças do escultor português. A vontade de celebrar as pessoas e as Histórias que fizeram o país e o mundo deu lugar a um trabalho que só se findaria aquando a vida.

Após um artigo de abordagem ao lado mais pessoal, familiar e académico de Teixeira Lopes, o presente texto foca-se na sua escultura. As encomendas, os temas mais trabalhados e a atenção ao pormenor são alguns dos elementos em análise.

António Teixeira Lopes. Fonte: Quinta Vila Rachel.

António Teixeira Lopes trabalhou sobretudo por encomenda, algo que aconteceu logo desde os seus primeiros anos enquanto ser artístico, quando colaborava com o pai, José Joaquim Teixeira Lopes, na Fábrica de Cerâmica das Devesas. Nessa altura, eram os olhos de cerâmica que fazia que puxavam a maior admiração por parte de quem encomendava e comprava. Os olhos, que passaram a gesso, bronze e mármore, iriam ser sempre uma parte marcante das suas peças. Mas já lá vamos.

Avançando um pouco no tempo e concentrando-nos numa altura em que Teixeira Lopes era já um escultor afirmado no meio artístico português, é possível destacar três tipos principais de obras que surgiam destas encomendas:
• retrato/homenagem a várias personalidades, como a Eça de Queiroz, Rafael Bordalo Pinheiro, Soares dos Reis, etc.;
• religioso, como Rainha Santa Isabel, Santo Isidoro, Nossa Senhora de Fátima;
• tumular, como o túmulo da Duquesa de Palmela, mausoléu da actriz Emília Eduarda, A Caridade, etc.

Fosse qual fosse a tipologia da obra a criar, há um elemento comum que as une a todas: a celebração de alguém ou algo que constituía importância para Portugal. Tendo ou não um ligação mais profunda com a pessoa ou o tema, o escultor gaiense sentia que era uma das suas funções, enquanto narrador de histórias em mármore e bronze, imortalizar estes elementos que contribuíram para levar mais além o seu país ou que eram fundamentalmente boas pessoas a lutar pelo bem de quem os rodeava.

António Teixeira Lopes, Jarrão com Tampa, barro cozido esmaltado, não datado. Casa-Museu Teixeira Lopes.

António Teixeira Lopes, Rainha Santa Isabel, gesso, 1895. Casa-Museu Teixeira Lopes.

Sendo que todas as suas obras se focam na figura humana, o seu processo de trabalho exigia que alguém posasse para ele. No caso de figuras conhecidas, como as já mencionadas acima, Teixeira Lopes pedia aos próprios representados que se dirigissem ao seu atelier; se fosse caso de representar alguém já há muito desaparecido ou um marco religioso ou até emocional, procurava por alguém que se assemelhasse o mais possível à ideia que tinha para a obra. A escultura da Rainha Santa Isabel (na imagem acima), encomendada pela Rainha D. Amélia, integra-se neste último exemplo, sendo que para além de uma modelo, o escultor fez ainda uma investigação exaustiva em textos e contos, para assim conseguir também captar a essência da mulher que ficou conhecida pelo Milagre das Rosas.

Essa vontade de captar para além do que os olhos vêem é também muito característica do trabalho de Teixeira Lopes e por isso as suas obras são marcadamente manifestas de uma grande emoção que trespassa o material trabalhado. Caim, obra realizada ainda durante os seus anos na Academia Francesa, é uma das suas peças mais conhecidas exactamente por isso. Esta figura bíblica aparece-nos em repouso e à espera de algo. Conseguimos perceber cada detalhe do corpo desta criança, mas são os olhos que nos fitam de lado que revelam o peso da sua história. Um olhar de desafio que não mostra medo, que nos atravessa e perturba.

Também A Caridade e A Viúva são exemplo deste olhar que nos conta mais para além do que o corpo e a legenda nos mostram. A primeira mostra-nos uma mulher que segura duas crianças ao colo. Como o nome indica, está relacionada com a vontade de ajudar quem mais precisa e os seus olhos mostram-nos essa preocupação com os mais frágeis ao mesmo tempo que indicam esperança no futuro. É um olhar doce, materno e preocupado. Já A Viúva, que se insere nas obras de cariz trágico que Teixeira Lopes tanto trabalhou, é acompanhada de uns olhos que mostram exactamente essa dor, esse medo do vazio que ficou pela perda do marido e por tudo aquilo que lhe cabe agora a ela continuar. Um olhar cabisbaixo, que acompanha a inclinação da cabeça e do corpo, do qual cai uma lágrima e que parece revelar uma vontade de desistir, como se não houvesse nada mais por que valesse a pena viver.

Esquerda: António Teixeira Lopes, Caim, gesso, 1890. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes, A Infância de Caim, mármore, 1890. Museu Nacional de Soares dos Reis.

António Teixeira Lopes, A Caridade, gesso, 1902. Casa-Museu Teixeira Lopes.

António Teixeira Lopes, A Viúva (detalhe), gesso, 1889. Casa-Museu Teixeira Lopes.

No que toca às obras de personalidades da sua época, a imaginação ficava um pouco de lado, dando lugar a uma vontade máxima de representar com absoluto pormenor quem era a pessoa em questão. Os retratados, como já referiam, deslocava-me -se ao seu atelier ou o próprio Teixeira Lopes viajava para conseguir algumas sessões de pose. Em casos como de António Soares dos Reis ou Rafael Bordalo Pinheiro, que já tinham falecido aquando o início da obra, o escultor reunia fotografias e pedia a familiares e amigos que descrevessem o objecto do seu trabalho. Desta forma, poderia garantir a tal veracidade interior e emocional que caracterizava a pessoa. Não interessa mostrar só o aspecto físico; quem vê a peça final tem que sair da sua frente com uma ideia do traço de personalidade que construía o indivíduo.

Com este tipo de trabalho, a atenção ao pormenor era essencial. Já foram referidos os olhos que contam histórias e a vontade de ser o mais fiel possível ao representado, mas falemos agora das vestes. Os tecidos que Teixeira Lopes imortaliza no mármore e no bronze são apresentados como se estivessem efectivamente a ser usados. Panejamentos que acompanham e se colam às linhas de cada corpo, deixando transparecer estes volumes. Vincos que aparecem nos sítios certos e que contribuem para dar a dimensão de movimento à peça: pernas que andam, braços que se elevam, torsos que se torcem. Por aqui e por ali há as marcas normais que a roupa acumula ao longo do dia pelo uso, conferindo uma maior vivacidade às esculturas.

Sobre isto há que referir que Teixeira Lopes era, como dá para constatar, muito zeloso nos estudos que fazia dos tecidos, sendo que no seu atelier tinha panos que moldava a esboços de barro e gesso após ver como estes caiam no corpo de quem para si posava. Todo este cuidado permite que as personagens e personalidades se vistam de fluidez e que façam o peso dos materiais usados parecer leves como uma pena ou, lá está, um tecido.

António Teixeira Lopes, Monumento a Soares dos Reis, gesso patinado, sem data. Casa-Museu Teixeira Lopes.

Esquerda: António Teixeira Lopes, Rafael Bordalo Pinheiro, gesso patinado, 1926. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes, Rafael Bordalo Pinheiro, bronze, 1926. Parque D. Carlos I, Caldas da Rainha.

Esquerda: António Teixeira Lopes, Flora, gesso, 1904. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes, Flora, bronze, 1904. Jardim da Cordoaria, Porto.

Mas falar da obra deste escultor português não se pode extinguir nestes três focos temáticos, sendo que podemos ainda adicionar um quarto ao conjunto dos seus trabalhos. Refiro-me ao tema da criança, trabalhado por Teixeira Lopes com especial carinho durante toda a sua vida, tanto para ajudar à construção de um tema, como acontece, por exemplo, com as já mencionadas A Viúva e A Caridade, ou simplesmente para mostrar as várias expressões e facetas das crianças, como podemos ver em obras como Três Meninos a Lutar, Menino Dormindo, Isabel, etc. Da calma à tempestuosidade dos comportamentos inesperados que os mais pequenos têm, o escultor português registou de tudo um pouco.

Fazendo parte de uma família numerosa e estando constantemente rodeado de amigos e seus familiares, as crianças foram sempre parte integrante do seu dia e, nos dias de hoje, é possível vê-las a habitar todos os espaços da Casa-Museu Teixeira Lopes. Embora a maior parte não seja de cariz de arte pública, foram estas peças que acabaram por habitar a casa de muitos dos seus colegas, quando decidiu fazer reproduções para vendas ou trocas.

António Teixeira Lopes, A Napolitana, barro cozido patinado, sem data. Casa-Museu Teixeira Lopes.

António Teixeira Lopes, Menino a Dormir na Cadeira, mármore, sem data. Casa-Museu Teixeira Lopes.

António Teixeira Lopes, Menina (Isabel), mármore, 1900. Casa-Museu Teixeira Lopes.

Como já referido, as suas encomendas vieram também de além do território português, chegando, por exemplo, do Brasil, com obras como as Portas da Candelária, que realizou para a Igreja de Nossa Senhora da Candelária no Rio de Janeiro, obra terminada em 1900 no seu atelier em Paris de onde as portas partiram, sendo inauguradas em 1901. Também a obra General Bento Gonçalves, inaugurada em 1909 na Praça Tamandaré no Rio Grande do Sul, foi para solo brasileiro e mostra, uma vez mais, a admiração que existia em relação a António Teixeira Lopes pelo mundo fora.

Num ponto um pouco mais perto de casa, há que destacar o Monumento a La Couture, no qual o escultor presta homenagem aos soldados portugueses que participaram na Batalha de La Lys, em 1918, assinalando a presença de Portugal na Primeira Guerra Mundial. O monumento, que se encontra exactamente em La Couture, foi inaugurado em 1928, de forma a marcar o décimo aniversário do evento. António Teixeira Lopes foi sempre muito sensível a estas questões de vidas em risco e por isso, no meio das ruínas de uma catedral gótica, representa a figura da Pátria encoraja o soldado perante a morte que o tenta apanhar. Novamente uma obra repleta de carga trágica e que apela à reflexão e que foi construída apenas com mão-de-obra portuguesa.

Esquerda: António Teixeira Lopes, Portas da Candelária, gesso patinado, 1897. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes, General Bento Gonçalves, gesso, 1904. Casa-Museu Teixeira Lopes.

Esquerda: António Teixeira Lopes e António Júlio Teixeira Lopes, Monumento a La Couture, gesso, 1905. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes e António Júlio Teixeira Lopes, Monumento a La Couture, mármore e bronze, 1928. La Couture. Fonte: WebFeup.

No caso do Monumento a La Couture, tal como em muitas outras, Teixeira Lopes contou com a ajuda de um arquitecto, neste caso o seu sobrinho António Júlio Teixeira Lopes, filho do seu irmão José também arquitecto. Dos trabalhos com José podemos destacar o Túmulo a Almeida Garrett. Este deveria ser colocado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e por esse motivo os irmãos Teixeira Lopes desenharam-o em estilo Manuelino. Já na fase final do projecto, houve a decisão de trocar o Mosteiro pela Igreja de Santa Engrácia (o Panteão Nacional, também em Lisboa), mas António e José recusaram a mudança, pois consideraram que haveria um choque artístico entre a estética específica do túmulo em pedra com o interior marmoreado do Panteão. Assim sendo, o túmulo acabou por ficar no jardim da Casa-Museu, onde ainda pode ser visto actualmente. Também aqui os irmãos revelaram o investimento que faziam com a ideia de representar o homenageado da melhor forma e por isso as laterais do túmulo remetem para títulos de livros e textos do escritor português e com detalhes manuelinos que fariam a ligação com a plástica que se fazia sentir no Mosteiro dos Jerónimos.

Dentro deste grupo das obras rejeitadas podemos ainda incluir o Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, maquete que Teixeira Lopes criou para o concurso de uma obra a erigir na Rotunda da Boavista. A sua proposta ficou em segundo lugar. Noutro espectro temos Nossa Senhora de Fátima, uma encomenda feita directamente ao escultor e que, embora tenha sido terminada, não está no local para o qual se destinava. As fiéis, que queriam uma imagem para colocar na basílica a erguer na Cova da Iria, consideraram a obra de Teixeira Lopes demasiado humana. A sua curvatura quase em penitência e os olhos (novamente os olhos) que se apresentam voltados para baixo foram características consideradas pouco divinas; a Nossa Senhora estava, assim, no mesmo patamar de quem lhe rogava.

António Teixeira Lopes e José Teixeira Lopes, Túmulo a Almeida Garrett, pedra ançã e mármore, sem data. Casa-Museu Teixeira Lopes.

António Teixeira Lopes, Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, gesso patinado, 1909. Casa-Museu Teixeira Lopes.

Esquerda: António Teixeira Lopes, Nossa Senhora de Fátima, gesso, 1920. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes no atelier com a obra Nossa Senhora de Fátima. Fonte: Gisa.

É esta humanidade aqui criticada que liga todas as obras do escultor gaiense. A mármore e o bronze ganham vida e tornam os sentimentos, os gestos e as personalidades absolutamente visíveis e palpáveis. Mesmo sem saber o título de uma peça conseguimos perceber um pouco do que ela nos quer transmitir.

Assim se caracteriza a obra de António Teixeira Lopes, que não se fixa num estilo específico a não ser no dele próprio. Um toque do Naturalismo e do Romantismo que se liga com a linguagem clássica que marcava a época, mas acima de tudo que transpira com a emoção que o escultor queria transmitir. E tal como o próprio dizia:

Sairá da alma e não do cérebro uma obra que emocione.

Esquerda: António Teixeira Lopes, A Dor, gesso, 1898. Casa-Museu Teixeira Lopes.
Direita: António Teixeira Lopes, A Dor, bronze, 1898. Jardins do Palácio de Cristal, Porto.

António Teixeira Lopes no atelier com a obra Baco. Fonte: Facebook Quinta Vila Rachel.

Nem sempre de vitórias se construiu a carreira artística de Teixeira Lopes, mas é inegável a presença que este tem pelo país. Seja numa rua, num jardim, num museu ou num cemitério é muito provável que já se tenham cruzado com uma das suas obras.
Os finais do século XIX e a primeira metade do século XX, mas também muitos outros momentos e personagens da História, viram-se representar pelas mãos deste escultor que devotou a sua alma e a sua vida à Escultura

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