Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa | Museu Nacional de Soares dos Reis

No passado dia 3 de Fevereiro, o Museu Nacional de Soares dos Reis inaugurou a sua mais recente exposição temporária: Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa. A mesma junta três artistas, Pedro Calapez, André Gomes e Artur Loureiro, numa conversa que mistura várias técnicas, estilos e representações.

(…) surpreendente diálogo a três, numa narrativa com três visões e caminhos singulares que se fundem num percurso único por paisagens, histórias e corpos.

– Ana Anjos Mântua

Esta exposição segue a linha das que nos últimos meses têm feito parte da programação do Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR): a criação de diálogo com peças do acervo do espaço. Neste caso, as obras de Pedro Calapez (n.1953) e de André Gomes (n. 1951) expandem a conversa que começaram em dupla, no Museu Colecção Berardo em 2021, para uma terceira pessoa que é Artur Loureiro (1853-1932).

Há que referir que esta ligação entre os três artistas remonta já a 2016, aquando a exposição de Pedro Calapez, Configurações, na Galeria Fernando Santos, também no Porto. Nessa altura, André Gomes visitou o MNSR e sentiu que havia levado consigo as obras do seu colega e amigo, pois via uma extensão delas em O Descanso da Artista, de Artur Loureiro.
No ano seguinte, surge o ponto que faltava para que se pensasse nesta junção: ao visitar a exposição Casa da Estrada de André Gomes, na Galeria Diferença, em Lisboa, Rita Lougares (directora artística do Museu Colecção Berardo) coloca a sugestão em cima da mesa, após ver uma mão de Pedro Calapez numa das fotografias. Faria sentido transpor essa longa amizade para uma exposição em conjunto, algo que aconteceu, como já referido, em 2021. Já aí, a ideia era a de envolver o quadro de Artur Loureiro, mas o rumo acabou por ser outro nessa primeira mostra. Chega agora a exposição no museu portuense que permite seguir essa ideia original.

Nestas duas salas, somos assaltados por manchas que se fazem das mais variadas cores, jogos de luz e texturas. Servem estes como elementos comuns aos três artistas aqui expostos.
A variedade dos títulos das obras de André Gomes, todas elas impressas em tinta pigmentada sobre papel de algodão, liga-se à variedade das de Artur Loureiro, da mesma forma que a sua pintura a óleo sobre madeira ou tela se liga à técnica mista sobre papel utilizada por Pedro Calapez.
As cores de Calapez dançam entre si em cada tela, tal como uma imagem de André Gomes vê em si um jogo de momentos que distintos acabam por se relacionar, juntar e contar uma história.

Uma sala empurra-nos para a outra, porque conseguimos ver no naturalismos de Loureiro algo que vimos atrás em Pedro Calapez e André Gomes e vice-versa. Também na sala de maiores dimensões acabamos envoltos numa dança entre uma obra aqui e uma obra acolá, vendo esse trabalho algumas vezes facilitado com a colocação de peças semelhantes lado a lado.
Observa-nos a Artista que descansa na tela de Artur Loureiro, ela que tem vista privilegiada para a sala onde as obras de Calapez e Gomes se conjugam.

Artur Loureiro, Descanso da Artista, óleo sobre tela, 1882, MNAC-Museu do Chiado, depósito Museu José Malhoa.

Artur Loureiro, Descanso da Artista, óleo sobre tela, 1882, MNAC-Museu do Chiado, depósito Museu José Malhoa.

Artur Loureiro, Descanso da Artista (detalhe), óleo sobre tela, 1882, MNAC-Museu do Chiado, depósito Museu José Malhoa.

Dois artistas juntam-se. Liga-os (e isso é o que basta) a ordem dessa afinidade. Um é pintor, quer dizer, trabalha a imagem a partir da pintura, o outro procura no campo mais abstracto do fotográfico fundar imagens na verdade análogas do modo da pintura.

– Bernardo Pinto de Almeida

Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa foi o título escolhido pelo historiador Bernardo Pinto de Almeida, também ele amigo de longa data de ambos os artistas. O dia, tal como nos diz, cabe a Pedro Calapez: Um deles, na pintura, acolhe o que é o dia das imagens, cheio de cor, de texturas, matérias, da frágil consistência e da invenção, interrogando dessa sorte a história, o próprio tempo. Sendo mais específico quanto ao trabalho do pintor, fala-nos dele como densas massas de tintam cheias dessa sempre misteriosa e tentadora carne da pintura, (…) numa liberdade cada vez mais exemplar, mais capaz do voo que não teme a alta suspensão em que se projecta e em que (se) define essa imagem primeira que toda a pintura verdadeiramente é, no advento do seu ininterrupto, luminoso e feliz, dias das imagens.

A noite, claro está, é de André Gomes: O outro, na fotografia, acolhendo aquilo que é a noite das imagens. A noite das imagens é esse espaço que finalmente a fotografia veio abrir, ao fazer de toda a imagem, sempre, imagem de outra imagem. Com um trabalho onde o fotográfico se concentra e ocupa em focar um dado aspecto do real, seja este um espaço imenso ou um lugar íntimo, lhe opõem sempre a possibilidade de haver vários olhares, de haver mesmo vários lugares e tempos, que decorrem de uma ideia de montagem. Pinto de Almeida diz-nos ainda, no catálogo da exposição, que André Gomes firma um espaço singular e de ousada reinvenção do próprio fotográfico, que o liberta da sua natureza de imagem segunda para, por artifícios vários, a reverter em imagem primeira, análoga afinal das que sabemos da pintura. São pintura.

Assim os dois nos dizem, com exemplar sabedoria que, no espaço de criação das imagens, um e outro são capazes de reformular incessantemente os campos de que partem e onde, seja dia ou seja noite, abrem de par em par as possibilidades do nosso encantamento.

– Bernardo Pinto de Almeida

Pedro Calapez, Um Corpo Entre Outros #04, #27, #35, #13, técnica mista sobre papel, 2020.

Esquerda: Pedro Calapez, Um Corpo Entre Outros #02, técnica mista sobre papel, 2020.
Direita: André Gomes, Furtiva Lágrima, impressão com tinta pigmentada sobre papel de algodão, 2020.

André Gomes, in hoc tempore, impressão com tinta pigmentada sobre papel de algodão, 2020.

Numa breve nota sobre o artista que a eles se junta, Artur Loureiro foi dedicadamente um pintor naturalista, sendo especializado na paisagem (influenciado pela Escola de Barbizon), na figuração animalista e no retrato. Um homem que estudou em Itália e em Paris, que viajou por Brolles e ainda morou na Austrália, entre 1893 e 1901, fazendo-se acompanhar da mulher por quem se apaixonou e que pousou para o quadro que criou toda a ligação falada neste artigo: O Descanso da Artista. No início do século XX, volta ao Porto, a sua cidade natal, montando um atelier numa ala já desaparecida do Palácio de Cristal. Aqui, dedica-se ao fomento das artes, trabalhando já um pouco com as influências da Arte Nova e dos Pré-Rafaelitas que trouxe de Melbourne.
Grande parte da sua obra integra, como já mencionado, o espólio do Museu Nacional de Soares dos Reis.

Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa pode ser visitada, no Museu Nacional de Soares dos Reis, até ao dia 8 de Maio, Terça-Feira a Domingo, das 10h às 18h (última entrada às 17h30).
O valor de entrada é de 3€.
Para mais informações: Museu Nacional de Soares dos Reis.

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