Juan Domingues – A Outra Máquina de Fazer Espanhóis | Zet Gallery

No passado dia 29 de Janeiro, a Zet Gallery, em Braga, inaugurou a exposição A Outra Máquina de Fazer Espanhóis. Esta é uma mostra individual do artista Juan Domingues com trabalhos que realizou para a versão ilustrada do romance A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe, aqui apresentados em grandes dimensões. A curadoria ficou a cargo de Helena Mendes Pereira e leva-nos numa viagem que questiona a condição de velhice, da vida e da morte.

Juan Domingues (n. 1981) nasceu na Venezuela, mas cedo se mudou para Portugal, onde fez a sua formação académica. A sua obra é caracterizada por uma conversa entre o Barroco e as Vanguardas.
Inicia por ele este artigo, pois é importante frisar que a ideia principal era a de criar uma exposição individual do artista. Só mais tarde, quando o mesmo revelou o trabalho que tinha feito para o livro, é que se fixa que a mostra teria este tema, passando a ser algo ainda mais abrangente.

A Outra Máquina de Fazer Espanhóis nasce, então, a partir de 27 obras inéditas criadas para a versão ilustrada do livro A Máquina de Fazer Espanhóis, que é publicada em 2021, assinalando não só a sua 25ª edição, mas também o 50º aniversário do seu autor.

E é assim que se cria esta parceria específica entre Literatura e Artes Plásticas.
Valter Hugo Mãe (n.1971) segue o trabalho de Juan Domingues há já vários anos e desde o primeiro momento que teve vontade de o incluir num livro. Quando, juntamente com a Porto Editora, surgiu a ideia de fazer uma versão ilustrada, o escritor soube que tinha a oportunidade perfeita para fazer o tão ansiado pedido de colaboração.
O próprio artista admite sentir-se influenciado diariamente pelos livros de Valter Hugo Mãe, afirmando que as suas histórias e escrita o incentivam a ler mais. Diz-nos em 5 Minutos Com, numa entrevista à Zet Gallery:

Eu preciso muito da literatura para me focar, para arranjar um razão, um sentido dentro daquilo que é intelectual da minha condição perante a sociedade e o mundo”.

Juan Domingues, linearidade do tempo (perto do fim), óleo sobre tela, 2021.

Esquerda: Juan Domingues, alma (1º e 2º movimento), técnica mista sobre papel, 2020.
Direita: Juan Domingues, alma (3º e 4º movimento), óleo sobre tela, 2020.

Numa pequena nota necessária para melhor compreender as obras em exposição, o romance A Máquina de Fazer Espanhóis conta a história de António Silva, um homem que é levado pela família para um lar, após a morte da sua esposa. Como nos diz o próprio, é ali abandonado. Ao longo do livro, conhecemos as pessoas/personagens que passam a fazer parte do seu dia-a-dia, as suas alegrias e amarguras, numa viagem que todos os intervenientes têm a certeza que os leva em direcção à morte, deixados naquele local com o simples propósito de ali terminar a vida.

A exposição divide-se num contaste de cores e preto-e-branco, entre desenhos, pinturas e ainda elementos site specific, com dois murais na zona da entrada da galeria. É muito importante o resultado final na obra de Juan Domingues, mas também o processo de trabalho e, por isso, algumas das obras expostas foram escolhidas para evidenciarem isso mesmo.
Como já indicado, o propósito destas obras é, tal como o do livro, o de questionar a condição da velhice, da vida e da morte, algo que Juan Domingues faz ao mesmo tempo que procura criar questões com os seus trabalhos, respeitando a narrativa do livro, vendo-a e sentindo-a ao vestir a pele da personagem principal.

É o retrato da velhice e de todas as angústias que a caracterizam até ao momento final, a morte. Tanto o livro como as pinturas e desenhos nos levam por esse caminho de reflexão. A crueza destas situações é vista nestas obras através das expressões marcadas pelas rugas do passar do tempo, pelas curvaturas que vão ocupando o corpo, pelas incapacidades que vão surgindo e as forças que se perdem, mas também pelo sempre olhar expressivo, meigo e vivido que caracteriza a velhice e, em particular, as personagens do livro. São obras marcadas por movimento, sensações e sentimentos que se nos mostram quase palpáveis.

E, assim, faz sentido que estas obras sejam acompanhadas por excertos do texto, acentuando a vivência dura e crua de uma velhice. A escolha das frases, diz-nos Helena Mendes Pereira, tem o exacto propósito de nos fazer reflectir e por isso não podiam ser excertos de momentos brandos. A crueza é o que se pede, não pondo de parte as questões que nos são lançadas pela personagem principal ao longo do livro.

Esquerda: Juan Domingues, hífen, técnica mista sobre tela, 2022.
Direita: Juan Domingues, pietá (vermelho e negro), técnica mista sobre tela, 2021.

Esquerda: Juan Domingues, retrato de um pequeno grupo de gente (lar de idosos nr. 1), técnica mista sobre papel, 2021.
Direita: Juan Domingues, memórias sobrepostas, técnica mista sobre papel, 2021.

Valter Hugo Mãe encara o seu livro como sendo uma forma de perceber e dar a conhecer o desafio que existe em lidar com a velhice, principalmente numa sociedade cada vez mais caracterizada pela idade avançada, como acontece em Portugal
Tendo em conta o contexto da pandemia sentido nos lares, é impossível não criar uma ligação entre o que vemos/lemos desta história com o que vimos diariamente nos noticiários em relação aos que mais sofreram a todos os níveis, presos num sítio do qual não podiam sair e no qual deixaram de ter acesso a visitas. A realidade e solidão do livro tornam-se ainda mais específicas.

Eu vejo este romance como uma espécie de grito de socorro, de pedido de socorro, mas, ao mesmo tempo, como um manifesto de protesto.

– Valter Hugo Mãe.

Também o escritor foi desafiado pela Zet Gallery a apresentar alguns dos seus desenhos, havendo uma secção do espaço a eles dedicada. Os desenhos de Valter Hugo Mãe são, como o próprio diz, uma forma de pensar em e esperar por palavras, caminho pelo qual o seu fascínio pelas Artes Plásticas o leva várias vezes.

Esquerda: excerto d’ A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe.
Direita: Valter Hugo Mãe, Sem título #3, técnica mista sobre papel, 2021.

A Outra Máquina de Fazer Espanhóis pode ser visitada na Zet Gallery, em Braga, até ao dia 16 de Abril, de Segunda-Feira a Sábado, das 14h às 19h..
A entrada é gratuita.
Para mais informações: Zet Gallery.

Casa A Máquina de Fazer Espanhóis não faça parte da vossa pilha de livros lidos ou por ler, fica também o conselho de o juntarem à vossa lista de leitura.

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