O Museu da Vista Alegre, em Ílhavo, é um dos mais completos espólios museológicos de Porcelana do país, contando com mais de 30 mil peças. Uma colecção que mostra a importância que a Fábrica da Vista Alegre teve no panorama artístico e na sociedade portuguesa nos séculos XIX e XX, embora a fábrica/marca tenha ganho um novo fôlego nos últimos anos, marcando também o panorama actual.
Conservar e guardar a memória da produção da porcelana artística da Vista Alegre foi uma tradição na fábrica desde o início, inerente ao prestígio que a marca alcançou ao longo do século XIX.
– folha de sala do Museu Vista Alegre


No entanto, a história do museu não se faz sem a história da fábrica e por isso é essencial deixar aqui alguns dados, ainda que sem um aprofundamento exagerado, pois as salas de exposição contam-nos tudo o que precisamos de saber para compreender o contexto do que vemos.
A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre foi fundada em 1824, tendo sido a primeira unidade industrial dedicada à produção de porcelana em Portugal. O seu fundador, José Ferreira Pinto Basto, era uma figura de destaque da sociedade portuguesa do século XIX, tendo incorporado de forma sábia o ideal liberal que marcava o século. É em 1812 que adquire a Quinta da Ermida, localizada perto da vila de Ílhavo e da Ria de Aveiro. Em 1824, compra a Capela da Vista Alegre e os terrenos envolventes nos quais instala, então, a Fábrica tendo apresentado uma petição ao Rei D. João VI para erigir para estabelecimento de todos os seus filhos, com igual interesse, uma grande fábrica de louça, porcelana, vidraria e processos chimicos na sua Quinta chamada da Vista-Alegre da Ermida. A 1 de Julho do mesmo ano, o rei autoriza a edificação do estabelecimento, o qual, cinco anos mais tarde, recebe o título de Real Fábrica como reconhecimento pela sua arte e sucesso industrial.
Nos primeiros tempos, a laboração da Fábrica da Vista Alegre foi sobretudo dedicada à produção de Vidro e de Cerâmica “pós de pedra”, sendo que não era conhecida a composição da pasta de Porcelana. Uns anos mais tarde, em 1880, a produção de vidro cessa por completo na Fábrica e a mesma passa a dedicar-se exclusivamente ao fabrico de Porcelana. Esses primeiros tempos dedicados ao Vidro podem ser vistos nas primeiras salas do museu, havendo em exposição alguns moldes da época, reforçando a vontade de contar e mostrar toda a história da Fábrica, mesmo os períodos mais conturbados, quando ainda se procurava a pasta de Porcelana perfeita.


Esquerda: Fato de cerimónia de José Pinto Basto, século XIX.
Direita: Cómoda papeleira com oratório, Gaspar Ferreira e Manuel da Silva, 1º Quartel do Século XVIII.

Após vários anos de fabrico e sucesso, dá-se uma quebra de produção e venda que acompanha a crise social e política que o país atravessava com a transição do século, as quais, aliadas a uma deficiente gestão comercial e desorientação artística, ajudam a perceber este período de decadência da empresa que dura até aos inícios do século XX.
É já em 1924, com a nomeação de João Theodoro Ferreira Pinto Basto como Administrador-Delegado, que se dá um ressurgimento da Fábrica da Vista Alegre, havendo uma renovação na área industrial, mas também a nível criativo, com a adaptação à Art Déco e ao Funcionalismo. As décadas seguintes do século XX vão mostrar a consolidação deste sucesso. (…) a manutenção de uma área de manufactura, altamente especializada centrada no saber-fazer dos operários e nas tradições centenárias da empresa, permitiu à Fábrica ocupar um lugar de primazia entre as grandes manufacturas europeias. Tudo isto é ainda aliado ao grande desenvolvimento técnico e industrial, que possibilitou o alargamento da oferta a novos mercados, à instauração da tradição de peças únicas (como o serviço de Rainha Isabel II) e as múltiplas colaborações com artistas (que ainda hoje acontecem), tornaram e continuam a tornar a Fábrica da Vista Alegre num caso de sucesso no país.
Na zona da Fábrica, há ainda o bairro residencial para os operários, cuja construção começa aquando a da fábrica, com várias tipologias de moradias. Este Bairro Operário integra ainda o Teatro, o Refeitório e a Creche, algo representativo de uma altura em que as cidades e as zonas industriais não tinham infraestruturas para albergar todas as pessoas que agora trabalhavam em fábricas, cabendo a cada um dos pólos de trabalho garantir que isso acontecia. Símbolo de memória e identidade locais que podemos ainda vislumbrar nos dias de hoje.

Serviço de chá Lopes, 1922-1947.

Mais do que um espaço fabril, a Vista Alegre é hoje um conjunto arquitectónico de inegável interessem repositório de memórias sociais e artísticas fundamentais para a construção de uma identidade nacional.
O primeiro Museu da Vista Alegre data de 1947 e estava instalado no Palácio, junto à Capela da Vista Alegre. É em 1964 que o museu é ampliado, passando a ocupar os edifícios antigos da fábrica, e aberto ao público.
Este espaço é alvo de renovações em 2001. Entre 2014 e 2016 dão-se as últimas obras de requalificação, com a recuperação do património edificado já existente bem como a ampliação das salas de exposição. É também nesta fase que dois antigos fornos da fábrica passam a integrar a zona da recepção do museu, tornando o espaço ainda mais apelativo para quem o visita, sendo que não é todos os dias que podemos ver e entrar em fornos de Porcelana destas dimensões.
Este museu remodelado tem, então, a intenção de mostrar a história da Fábrica da Vista Alegre através da evolução da sua estética e importância para a sociedade portuguesa.
O Museu é composto por 14 salas que se dividem por temas. A primeira é dedicada aos fornos, a segunda à fundação da fábrica e ao seu fundador, a terceira ao Vidro e a quarta ao pó de pedra, numa ligação mais viva aos tempos iniciais da Vista Alegre. A partir daqui, as salas dividem-se pela tipologia das peças, seja através de um tema comum, como a Animália; o propósito das peças, como de Comemoração ou Louça de Aparato; sem esquecer a ligação a artistas que colaboraram com a marca e que se dividem pelas salas Modernismo e Contemporâneos.
Tal como referido, cada espaço é acompanhado de informação relativa ao seu tema e significado na história da fábrica.


Antigos fornos da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre.

Galheteiros, vidro moldado e soprado, 1824-1880.


Esquerda: Prato Eufélia e Nenúfares, 1900-1910.
Direita: Fruteiro Gameiro, Ruy Roque Gameiro, 1930.


Esquerda: Flamingos, Carlos Calisto (escultura) e Armando Pimentel (pintura), edição especial limitada e numerada a 100 peças (nº 5/100), 1974.
Direita: Pássaro Azul da China, Carlos Calisto (escultura), 1971-1980.
São centenas de peças que podemos ver e garanto que há algo para todos os gostos, mesmo que a vossa preferência seja uma escultura de Romeu e Julieta.
Há também uma sala dedicada á Comunidade Fabril, com objectos do dia-a-dia de trabalho que mostram a relação afectiva que os operários desenvolveram com a própria fábrica. É ainda nesta sala que podemos ver um dos carros de bombeiros mais antigos do país, o qual fazia parte das instalações fabris para casos de emergência.
Embora seja uma zona a que não se tem acesso, podemos ainda ver através de janelas os espaços de reservas do museu, o qual nos revela a infinita colecção e produção do Museu e da Fábrica da Vista Alegre.


Esquerda: Dança e Comédia, modelo original do escultor Américo Gomes de 1948, 1992-1997.
Direita: Romeu e Julieta, F. Teixeira (escultura), 1870-1880.

Carro de Bombeiros “Hayseed”, madeira, couro e metal, c. 1880.

Álbum de fotografias da inauguração da Creche da Vista Alegre, 1944.

Chávenas e pires, 1852-1869.


Esquerda: Fruteiro Chinês, 1922-1947.
Direita: Reservas do Museu Vista Alegre.
Por estas salas, embarcamos numa viagem não só de história de uma fábrica/marca e de um país, mas também num mundo de familiaridade, de cores e de detalhes, muitos deles que conhecemos e reconhecemos num abrir e fechar de olhos por já fazerem parte da imagética que associamos à Vista Alegre. É ainda uma forma muito interessante e apelativa de conhecer as bases desta indústria da Porcelana que há tantos anos se demarca no território português e internacional.
O Museu da Vista Alegre está pronto para vos receber todos os dias, sendo que o horário de abertura varia consoante a época do ano: das 10h às 19h30 de Maio a Setembro e das 10h às 19h de Outubro a Abril.
A entrada tem o custo de 6€ e inclui a visita ao Museu e à Capela. Há descontos aplicáveis.
Para mais informações: Museu Vista Alegre.
Um pensamento sobre “Museu Vista Alegre | Ílhavo”