Dia Mundial dos Avós em Seis Obras Portuguesas

O Dia Mundial dos Avós é celebrado desde 2003, ano em que foi instituído pela Assembleia da República. Porém, a sua história começa vários anos antes.
Foi na década de 1980 que Ana Elisa Couto (1926-2007), ao reparar no pouco valor que era dado aos velhos e aos avós, começou a pensar que deveria haver data que os celebrasse. Esta senhora, natural de Penafiel, era ela própria avó de seis netos e considerava que era importante existir um dia para prestar homenagem ao carinho que estes familiares mais velhos depositam nos seus, sendo eles os guardiões de cuidados, brincadeiras e histórias. Podemos, portanto, afirmar que este Dia Mundial dos Avós tem origens portuguesas.

O dia 26 de Julho foi a data escolhida por ser o Dia de Santa Ana (padroeira das mulheres casadas e das grávidas; protectora das viúvas, dos navegantes e dos marceneiros) e São Joaquim, pais de Maria e, portanto, avós de Jesus Cristo. Não podia haver dia mais significativo.
Ana e Joaquim quiseram toda a vida ser pais, mas eram ambos estéreis. Foi já em idade tardia que receberam a visita de um anjo que lhes anunciou que Ana estava grávida. Embora não haja referência à família de Maria na Bíblia, é algo que faz parte da tradição da Igreja Católica, sendo que a história de Ana e Joaquim aparece referida no Proto-Evangelho de Tiago, um evangelho apócrifo escrito vários anos após a morte do casal considerado santo pela Igreja. Por este motivo, muitos historiadores consideram que esta biografia dos pais da Virgem pode não ser verdade, tendo surgido apenas como forma de justificar as origens de Maria para reforçar que não viria de uma família banal.

Em 2021, o Papa Francisco comunicou que a Igreja Católica iria celebrar a data sempre perto do dia 26 de Julho, tendo consagrado o terceiro domingo do sétimo mês do ano para o Dia Mundial dos Avós e Idosos (esta última parte acrescentada pela própria Igreja). Acresce ainda que todos os anos haverá um tema diferente pelo qual se regem as celebrações. O tema de 2022, a título de curiosidade, foi “Dão fruto mesmo na velhice”, destacando o valor e o dom que os avós e idosos têm não só na sociedade como também na comunidade eclesiástica.

Para celebrar este dia, deixo-vos com algumas obras que dividi em duas categorias: as que contam um pouco da história de Santa Ana e São Joaquim e as que mostram momentos de carinho e comunhão entre avós e netos. Todas elas foram esculpidas e pintadas por artistas portugueses.

Gregório Lopes (e Cristóvão Lopes?), Encontro de Santa Ana e São Joaquim na Porta Dourada, óleo sobre madeira, c.1545-1550, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Fonte: Facebook Museu Nacional de Arte Antiga.

O momento representado nesta obra remete para o reencontro de Ana e Joaquim, após os 40 dias de jejum que o homem levou a cabo no deserto de forma a conseguir ser pai. Como já referido e segundo Proto-Evangelho de Tiago, o casal era estéril e, na altura, um casamento sem filhos era considerado uma maldição de Deus, daí a aflição que este casal sempre teve em engravidar, fazendo preces diárias que culminaram com a partida de Joaquim para o deserto. Quando regressa, é recebido por Ana na Porta Dourada de Jerusalém e aí fica a saber que iriam ser pais – durante a Idade Média era tradição contar que, aquando o reencontro, Joaquim beijou Ana e aí teria ocorrido a fecundação de Maria.

A obra de Gregório Lopes (1490-1550) é ricamente colorida, sendo que Santo Joaquim enverga trajes em tons vermelhos e salmão e Santa Ana tem uma veste azul com detalhes brancos no toucado que cobre completamente o cabelo e um detalhe a verde numa risca que decora o centro da sua túnica. A restante composição apresenta sobretudo tons beges e castanhos, com excepção da figura à direita que veste verde e dourado, e também da figura no topo ao centro que se mostra numa túnica azul mais forte do que o do céu sobre o qual se centra. O centro da composição mostra-nos a arquitectura simples de Jerusalém.
Estamos perante uma cena emotiva na qual se nota o tom de agradecimento na face dos futuros pais (e avós). Um momento em que agradecem, celebram e se acolhem nos braços um do outro, perceberam que a amargura que carregaram durante os vinte anos de casamento vai acabar. Vão conseguir, finalmente, ser pais e deixar de ser postos à margem da sociedade.

José de Abreu do Ó e Tomás Lopes, Santa Ana Ensinando a Virgem a Ler, madeira estofada, dourada e policromada, 1783-1784, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Fonte: Facebook Museu Nacional de Arte Antiga.

Esta peça mostra um dos temas mais acarinhados pela iconografia, aqui fruto de uma encomenda de D. Maria I para o Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Lisboa. A direcção desta obra ficou a cargo de Joaquim Machado de Castro (1731-1822) que delegou no marceneiro e entalhador José de Abreu do Ó (1740-1828) a função de executar a cadeira, enquanto que a pintura e o dourado ficaram a cargo de Tomás Lopes.

Sentada num trono dourado e vermelho vemos Santa Ana que enverga vestes volumosas em tons escuros e com pontos luminosos a dourado. Tem um toucado preso a meio da cabeça que deixa ver o seu cabelo castanho ondulado e que nos permite de igual modo ver a sua face ao pormenor, a sua pele branca com bochechas rosadas, lábios vermelhos e os olhos voltados para o seu lado direito, onde se encontra Maria. Na sua mão esquerda Santa Ana segura um livro de encadernação vermelha e detalhes dourados marcando com um dos dedos a página em que parou a leitura. Santa Ana aplica, assim, o modelo de educação feminina e a transmissão da fé cristã. À sua direita, como referido, vemos a Virgem Maria enquanto criança vestida de modo semelhante à mãe. A cabeça e os olhos da criança estão voltados para cima e as suas mãos indicam-nos que se encontra num momento de oração. É uma peça que podemos considerar dinâmica, pois as vestes mostram alguns vincos que sugerem movimento e a acção de ambas as figuras é calma, sendo que nos sentimos quase intrusos deste momento de introspecção e de ligação entre mãe e filha.

Santa Ana, a Virgem e o Menino, proveniente de Alcobaça, madeira entalhada, estofada e policromada, século XVIII, Museu do Abade de Baçal, Bragança.

Fonte: Facebook Rede Portuguesa de Museus.

Esta representação de Santa Ana com a Virgem e o Menino é das mais popularizada na História da Arte, não tendo, por exemplo, escapado aos pincéis de Leonardo da Vinci (1452-1519).

Nesta obra vemos as figuras esculpidas através de uma interpretação naturalista, sendo que a escala entre elas é um pouco mais real do que é costume vermos noutras peças desta época. A base maciça deste lenho bifurcado é habitado por oito querubins de pele clara e cabelo castanho, entre os quais vemos algumas nuvens. Do lado esquerdo da obra está representada Maria com os seus cabelos castanhos e ondulados e cuja veste rica se funde mais abaixo com a de Santa Ana. A Virgem olha sorridente e delicadamente para o filho que se encontra sobre a mãe e a avó ao centro da composição. Jesus Cristo surge despido e está ao colo da mãe, enquanto o seu braço esquerdo alcança a mão direita da avó. A sua pela branca pontuada de rosado e os seus caracóis loiros são, sem dúvida, um ponto de destaque no que toca à paleta cromática desta peça. Santa Ana é representada do lado direito da composição e aparece-nos sentada. Apesar de utilizar um toucado, conseguimos ver os seus cabelos também castanhos e ondulados que ladeiam a sua face rosada. Como referido, a sua mão direita alcança a mão do neto, enquanto a esquerda segura um cacho de uvas (uma alusão ao futuro sacrifício do Redentor). As suas vestes, tal como as da Virgem, apresentam motivos circulares e florais. Mesmo sendo uma peça feita de um bloco de madeira, conseguimos reconhecer-lhe movimento através das pregas das vestes e da posição do menino.

José Júlio de Sousa Pinto, Avó e Neta, óleo sobre tela, 1887, Casa-Museu Fernando de Castro, Porto.

Fonte: MatrizNet Avó e Neta.

Esta obra é uma das dez de Sousa Pinto (1856-1939) que podemos encontrar na Casa-Museu Fernando de Castro, o que faz do pintor um dos artistas mais representados neste espaço.

É uma cena intimista na qual vemos uma mulher sentada num banco de madeira e uma criança que, ao lado esquerdo da senhora, dorme num berço também de madeira. É visível a típica preocupação de avó, sendo que esta observa atentamente o sono da criança.
A mulher está de perfil do primeiro plano da composição, seguindo a linha do banco onde senta, também este de perfil para o público; a criança que dorme está quase escondida na parte inferior da tela, sobressaindo por criar uma mancha diferente naquela zona da divisão; o fundo é coberto por uma parede com uma janela grande da qual entra luz através dos vidros partidos. A nossa presença não é notada.
Estamos perante uma paleta cromática muito uniforme entre preto, cinzento e castanho, com destaque para alguns apontamentos de branco que mostram as zonas onde incide a luz do sol, que recai sobretudo sobre a face da criança.

Carlos Reis, Uma Saúde aos Noivos, óleo sobre tela, 1930, Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa.

Fonte: Facebook Museu Nacional de Arte Contemporânea.

Em 1918, Carlos Reis (1863-1940) fixa-se definitivamente na zona da Lousã, onde constrói um atelier. É aqui que vai desenvolver o seu trabalho na pintura de paisagem e tirar inspiração dos costumes locais, mantendo o trabalho em telas de grandes dimensões e também vasta paleta cromática, inédita no Naturalismo português.

Nesta obra vemos a representação de um almoço tradicional de casamento. Apanhamos o momento em que o avô se levanta, já a muito custo percebemos, para realizar um brinde aos recém-casados. Este acto de carinho levado a cabo quando a idade já pesa tanto, é graciosamente agradecido pelo noivo que se levanta e leva o seu copo ao encontro ao do avô.
Esta é uma cena pintada sobretudo a tons castanhos, com excepção para o foco vermelho do traje da noiva e também para o branco da toalha sobre a mesa. Por toda a divisão podemos reparar como pintor não deixou escapar a luz reflectida em alguns elementos, como os copos e as garrafas na mesa ou a panela de bronze na parede à direita. As vestimentas dos convidados mostram que estamos perante uma família simples, mas feliz; o interior da casa diz-nos que nada falta e que há o cuidado com alguma decoração, como vemos na renda nas prateleiras à esquerda. A luz da janela incide ainda na face do menino à esquerda que olha a cena enquanto come uma peça de fruta; no cabelo branco da avó também à esquerda; e permite-nos ainda perceber o fumo do cigarro do convidada que fuma no lado direito da composição.

Manuel Filipe, Avózinha, carvão sobre papel, 1943, Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

Fonte: MatrizNet Avózinha.

Esta obra pertence ao início da “Fase Negra” do trabalho de Manuel Filipe (1908-2002), na qual vemos uma mistura entre Neo-Realismo, Expressionismo e Realismo Socialista, mistura essa que usa para tratar uma temática social e de luta contra a opressão totalitária. Todo o seu trabalho bem como a sua vida estão ligados a esta temática, bem como à prática e ao ensinamento do Desenho.

Avózinha é uma obra a carvão constituída por traço e sombra na qual podemos ver quatro figuras. Do lado esquerdo, vemos um homem e do direito uma mulher; ao centro estão as personagens principais da composição, uma avó que segura uma criança sobre as suas mãos abertas; estas mãos volumosas são quase uma manjedoura para este bebé repousar. Percebemos como as três personagens adultas olham o rebento de forma feliz e enternecida, alheados a tudo o que se passa à sua volta. Este desenho de traço, mancha e detalhes simples interliga-se com o aspecto também simples destas pessoas cujas vestes não passam de panos que caem pelo corpo. As mãos e os pés grandes desta avózinha apontam-nos para a realidade de que estamos perante elementos de classe operária.

Sendo a história de Santa Ana e São Joaquim verdade ou mito, não deixa de ser uma boa justificação para que o Dia Mundial dos Avós seja celebrado na data já dedicada a este casal.
Fruto de uma grande vontade de ser pais, vem também o amor que se dá aos netos e que podemos ver nas obras aqui apresentadas. Seja num momento terno e sossegado de uma sesta e que mostra que os avós estão sempre lá, mesmo quando não nos damos conta, não sendo só bons para as brincadeiras; ou para os momentos celebrativos e de emoção familiar, tendo a capacidade de se erguer ao levantar o copo para mostrar o orgulho que têm nos netos, mesmo que tal movimento já lhes custe. Os avós nunca deixam de dar colo e convém que nunca deixemos de lhes dar colo também.

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