Dia Mundial do Gato em Oito Obras Portuguesas

8 de Agosto é um dos três dias em que se celebra o Dia Mundial do Gato, sendo esta a data mais consensual. A mesma foi instaurada em 2002 pelo Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal que é uma das maiores instituições de bem-estar e conservação do mundo. A data serve para assinalar a importância e o papel dos gatos de estimação.

As outras duas datas recaem ambas em Fevereiro:
*17 de Fevereiro, conhecida como a “data europeia”, tendo sido escolhida por uma organização italiana de defesa dos animais, com o objectivo de promover a sua adopção e acabar com os maus tratos que sofrem;
*20 de Fevereiro, instaurada em 2001 por ter sido o dia em que Socks, o gato da filha de Bill Clinton, foi eutanasiado devido a um cancro. Socks viveu na Casa Branca durante toda a presidência Clinton, tendo conquistado a atenção do mundo inteiro.

Por aqui, decidi seguir a data mais consensual e por isso hoje, dia 8 de Agosto, apresento-vos oito obras portuguesas onde podemos ver gatos, sejam eles a estrela da composição ou não.

1. Josefa d’Óbidos, Sagrada Família com São João Baptista, Santa Isabel e Anjos, óleo sobre cobre, 1678, Museu e Igreja da Misericórdia do Porto.

Josefa d’Óbidos (1630-1684) mostrou aptidão artística desde muito cedo, numa altura em que tal não era comum, principalmente para uma mulher. Essa parte incomum faz com que tenha sido a única pintora profissional em Portugal no século XVII, sendo que foi o seu estilo que impulsionou o movimento Barroco português. A sua obra é sobretudo feita de naturezas-mortas, embora a pintora também se dedique a temas religiosos.

Tal é o caso da obra aqui apresentada, concretizada durante o período de maior maturidade da pintora, algo que conseguimos ver pelo detalhe dos pormenores e a atenção que é dada aos tecidos que vestem as personagens. A peça destaca-se peças cores fortes das vestes, mas também por todos os elementos que Josefa d’Óbidos conseguiu incluir numa obra que podemos considerar um miniatura, sendo que mede 32.2cm de altura e 43.1cm de largura. Conseguimos perceber as feições de todas as personagens, incluindo dos anjos que vemos como plano de fundo. A atenção do pormenor permite-nos ainda ver um gato que se refugia nas saias de Maria, perto do berço de Jesus, o local onde a pintora assinou e datou a obra. Faz-nos acreditar que este animal é como que uma protecção da criança, tentando estar sempre presente a assegurar que nada de errado lhe acontece, até porque olha quem observa o quadro de modo furtivo.

2. José Moura Girão, Gato Entre Flores, óleo sobre cartão, 1882, Colecção Telo de Morais, Museu Municipal de Coimbra | Edifício Chiado.

José Moura Girão (1840-1916) pertenceu ao grupo dos Naturalistas lisboetas, tendo sido aluno de Tomás de Anunciação (1821-1879) e Miguel Lupi (1826-1883). A sua obra é especializada em animalismo, pintando sobretudo galináceos, desta forma fugindo ao que nos é tradicional ver em artistas deste estilo.

Embora se dedique, como referido, de modo específico aos galináceos, isso não significa que não pintasse outros, tal é exemplo este Gato Entre Flores. Sobre um fundo em variados tons de verde, vemos um gato de pêlo listado na parte de cima e branco na parte de baixo começando no focinho. O animal, que parece uma cria, olha para cima quase em tom de súplica por alguma coisa: comida?, mimo?, a mãe? O seu pêlo é bem desenhado e construído, havendo um risco forte para os bigodes e pêlos maiores que saem das orelhas. O focinho, dividido entre os grandes olhos amarelos, o nariz rosa e a parte central a branco, é o que mais cativa o olhar. Por baixo do gato, vemos ainda um molho de flores também em tons de verde e alguns detalhes a vermelho.

3. José Malhoa, A Mulher do Gato, óleo sobre tela, 1886, Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

Grande parte da obra de José Malhoa (1855-1933) assenta na pintura de retrato, sejam eles de familiares, amigos ou personalidades históricas ou da sua época. Há ainda espaço para um retrato fiel da sua sociedade, pintando as festas e romarias, os interiores de estabelecimentos e o trabalho ou pausa do mesmo. Retratos ao jeito Naturalista que caracterizam um tempo.

A Mulher do Gato é isso mesmo. Nele vemos uma mulher de aspecto severo ao qual contrastam olhos amáveis e um tanto ou quanto desconfiados, talvez pelo facto de ter sido escolhida para um retrato. Conseguimos ainda perceber que é uma mulher já com uma idade avançada a quem o tempo e o trabalho causaram algum desgaste. Está sentada numa cadeira de couro castanho e apresenta-se perante nós com o corpo voltado a 3/4. Ao seu colo está um gato laranja de pêlo listado que dorme aconchegado ao ventre da mulher e sob o toque da sua mão esquerda. A cor do pêlo do felino sobressai e contrasta com a grande mancha branca que é a camisola da mulher e estes dois pontos juntamente com a cara iluminada da personagem são os focos que atraem o nosso olhar, destacando-se do fundo, saia e cadeira a preto e castanho escuro. Deste gato que dorme conseguimos perceber a textura do seu pêlo, sendo que ficamos até com vontade de o afagar também; do seu focinho vemos apenas um pouco do nariz e ainda o olho fechado. Com a pata dianteira direita parece abraçar a mulher que lhe dá colo, enquanto as patas traseiras estão esticadas, acompanhando a posição na qual a mulher se senta com uma das pernas posicionadas mais acima.

4. Rafael Bordalo Pinheiro, Painel de Azulejos Gatos, barro esmaltado, finais do século XIX, Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa.

Fonte: Museu Bordalo Pinheiro.

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) é um dos responsáveis pelos revivalismos ecléticos e fachadas de azulejos cuja produção se prolonga em Portugal durante as três primeiras décadas do século XX. A sua produção foca-se essencialmente em azulejos de Arte Nova e Naturalistas com criação na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Desde azulejos padrão a azulejos pintados, individuais ou a formar painéis, há de tudo um pouco nesta valência da obra de Rafael Bordalo Pinheiro.

No exemplo da imagem acima vemos um painel de azulejos padrão com relevo, no qual a figura central é um gato preto, tão característico da obra do artista caldense. O focinho do animal aparece sobre folhas de couve dispostas de forma radial na parte superior de cada azulejo. A formar os elementos de união entre cada peça temos, na parte inferior, a coleira de guizo do gato; já na parte de cima vemos uma fivela com três guizos, diametralmente oposta – são estes os dois centros de rotação no padrão.

Fonte: Museu Bordalo Pinheiro.

Como referido, os gatos são uma figura constante em toda a obra de Rafael Bordalo Pinheiro, pois o artista era um amante deste animal, chegando a dizer em tom de brincadeira “ter sido gato noutra vida”. Tendo em conta o dia celebrado neste artigo, parece apropriado mostrar a fotografia acima que mostra um pouco desse amor de Bordalo Pinheiro nutria pelos seus felinos.

5. Simões de Almeida Sobrinho, Gatos, gesso patinado, 1914, Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

Fonte: MatrizNet Gatos.

Simões de Almeida Sobrinho (1880-1950) mostrou desde criança a vocação para a escultura, tendo-se inscrito no curso na Academia Real de Belas Artes por influência do seu padrinho e também escultor José Simões de Almeida Júnior. Foi professor de desenho e escultura, mas, no entanto, ficou notabilizado pelos seus inúmeros trabalhos escultóricos, produzindo como poucos em Portugal, estando a sua obra espalhada por todo o país, nem que seja pelas dezenas de reproduções do busto oficial da República que conseguimos encontrar um pouco por todo o lado.

Apesar da sua obra ser sobretudo caracterizada por peças de grande envergadura, monumentos, bustos de personalidades e até cunho de moedas, não deixa de ter espaço para algumas obras de cariz mais delicado e de menor porte como a que vemos acima. Com uma linguagem naturalista, vemos dois gatos a dormir, sendo que o que está mais atrás repousa a cabeça e as patas dianteiras no que está à frente. Conseguimos ver uma perfeita separação do corpo de cada gato, parecendo exactamente que pousaram um em cima do outro e não que foram modelados em conjunto. Os detalhes dos felinos são bem visíveis, desde o focinho, os dedos das patas e ainda a textura do pêlo, o qual ficamos com vontade de tocar.

6. Maria Keil, O Gato, cerâmica, 1955, Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa.

Fonte: MatrizNet O Gato.

Se frequentam ou já frequentaram as estações de Metro de Lisboa, certamente já se depararam com a obra de Maria Keil (1914-2012), pois é ela a responsável pelos painéis de azulejos que decoram dezanove dessas estações, envergadura que é considerada como o trabalho da sua vida.
Pertencente à segunda geração de pintores modernistas portugueses trabalhou a pintura, o desenho, o design gráfico, o mobiliário, a tapeçaria e a cenografia, mas foi na ilustração e na renovação do azulejo contemporâneo em Portugal que mais se destacou. Foi casada com o arquitecto Francisco Keil do Amaral, com o qual colaborou em inúmeros projectos, como esse das estações de metro e, por exemplo, o Pavilhão de Portugal da Exposição Internacional de Paris, em 1937 – ele na parte arquitectónica e ela, claro está, na decorativa sempre com grande foco nos azulejos.

É precisamente no mundo do azulejo que se insere a obra aqui apresentada: um pequeno painel de seis azulejos no qual o desenho das peças de cima se liga com o das de baixo, criando um padrão simples a amarelo e lilás. Por cima desse desenho, destaca-se um gato enroscado a dormir. O felino aparece-nos em linhas pretas que se mostram um pouco mais carregadas nos contornos, mas ao de leve na textura do pêlo – sem que este apareça desenhado em toda a quantidade que um gato tem, os riscos pintados são o necessário para que o seu corpo tenha o preenchimento correcto. Um trabalho que nos parece relativamente simples, mas que nos mostra um gato bem definido num momento de paz característica destes companheiros.

7. Lourdes Castro, In the Café, plexiglass, madeira e acrílico, 1964, Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

Fonte: CAM-Gulbenkian.

Após frequentar o curso especial de Pintura na Escola de Belas-Artes e de, entre 1957 e 1958, ser bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian (bolsa essa que contribuiu para o desenvolvimento do projecto KWY), é na década de 1960 que Lourdes Castro (1930-2022) vai descobrir a sombra como tema de eleição, o qual vai trabalhar de várias formas e em diversos materiais, tendo abandonado os suportes tradicionais da Pintura em 1964 ao descobrir o plexiglass.

In the Café mostra duas placas de plexiglass sobre uma base de madeira que, colocadas com algum distanciamento, formam uma cena com perspectiva. Na primeira placa é onde podemos ver a projecção da sombra das personagens e na segunda as sombras dos elementos que constroem o espaço. As personagens aparecem a branco e os elementos de enquadramento do local a preto e vermelho. Há um trabalho complexo no tratamento das sombras das personagens, sendo que estas, que estão na placa mais próxima do público, são projectadas na placa mais afastada, aparecendo de modo negativo. Ainda no campo do trabalho em modo negativo, vemos um gato que se projecta na figura feminina que vemos à direita. Este felino faz, então, um recorte na cor branca da personagem. O desenho do gato é complementado com recurso ao uso da linha de contorno. É apenas isso que conseguimos ver do animal: o seu contorno; não havendo espaço nas características formais da obra para o seu pêlo ou focinho detalhado. Imaginamo-nos, assim, perante uma janela de um café na qual um gato se senta e, juntamente connosco, observa a cena entre estas duas personagens.

8. Paula Rego, A Gata Branca, tinta-da-china sobre papel, 1993, colecção Paula Rego.

Fonte: Casa das Histórias Paula Rego.

Uma das matérias mais trabalhadas por Paula Rego (1935-2022) foi a dos contos de fada e contos tradicionais, principalmente aqueles com um apontamento macabro. Tal é o caso de, por exemplo, Peter Pan, mas também do conto A Gata Branca da escritora francesa Madame d’Aulnoy (19630-1705). A pintora fez, entre 1976 e 1978, uma vasta pesquisa sobre este mundo dos contos clássicos e Madame d’Aulnoy é uma das escritoras que destaca, chegando mesmo a considerá-la a “maior narradora de histórias do seu tempo”. É, no entanto, uns anos mais tarde, em 1993, que se vai dedicar a criar uma série de ilustrações para este conto. Estas mesmas ilustrações são editadas a acompanhar o texto, numa nova edição do conto publicada em 1999 pela Colecção Belém, Livros de Artistas.

Neste desenho vemos o Príncipe que, no conto, se encantou pelo palácio da Gata Branca e onde ambos vão partilhar momentos na companhia de outros gatos, comportando-se como tal. O Príncipe é humano e adopta comportamentos felinos, ao passo que a Gata Branca fala e gesticula de forma humana, algo que faz com que o homem se apaixone por ela. Este comportamento da gata acontece, pois no seu corpo está presa a princesa mais bela e dócil e com quem o Príncipe deverá casar. Para isso, e para salvar o corpo da princesa, terá de cortar a cauda e a cabeça da gata.
Este conto de amor com um elemento de tragédia à mistura é representado por Paula Rego de uma forma que nos parece trágica ao mesmo tempo que transparece serenidade. Os tons mais claros utilizados no centro da imagem ajudam a isso mesmo. O Príncipe está deitado por entre gatos, enquanto que a Gata Branca está sobre as duas patas traseiras e se apresenta vestida, tal como uma humana.

Sejam ou não o tema principal da obra, os gatos são, para muitos, o centro do universo e por isso conseguem chamar a nossa atenção mesmo que estejam representados em apenas 2cm de uma pintura. Não é, por isso, descabido que existam três dias a eles dedicados de forma geral. Mas não pensem que fica por aqui: há ainda dois dias somente para os gatos pretos: 17 de Agosto e 27 de Outubro, sendo ambos uma forma de promover a adopção e bem-estar destes felinos que um pouco por todo o mundo são considerados portadores de azar e maldade, tendo, inclusive, sendo severamente perseguidos durante a Idade Média, algo que levou os gatos na sua generalidade à quase extinção.

Os gatos são uma presença constante na Arte, havendo artistas internacionais que dedicaram a sua obra quase somente à sua representação. Por Portugal não existe tal exemplo, mas, e como ficou demostrado, já há vários séculos que são personagens adoptadas pelos artistas nacionais.

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