Casa das Histórias Paula Rego | Cascais

No Bairro dos Museus, ao lado do Museu do Mar, ergue-se aquele que é o ponto turístico e cultural mais visitado da cidade de Cascais: a Casa das Histórias Paula Rego.

Por entre salas de exposição rotativa da Colecção da pintora e uma sala dedicada a exposições temporárias, este Museu afirma-se como um dos principais meios para o conhecimento da obra de Paula Rego, tanto no contexto nacional como internacional. É administrado conjuntamente por três entidades: a família da pintora, através do seu filho Nick Willing; a Fundação D. Luís I; a Câmara Municipal de Cascais.
É sobre este espaço e as duas exposições actualmente patentes (uma, claro está, dedicada à obra de Paula Rego e outra dedicada a Menez) que fala o presente artigo.

Foi já em 2006 que Paula Rego escolheu Cascais como cidade que deveria albergar a sua Casa das Histórias. O edifício, com projecto do arquitecto Eduardo Souto de Moura, ficou concluído três anos depois, em Setembro de 2009.

O Museu situa-se na área dos antigos courts de ténis do Sporting Clube de Cascais que, no meio da vegetação, se apresentavam já como um grande espaço vazio. Foi importante para Souto de Moura fazer com que a localização e construção do edifício permitisse preservar ao máximo esse vegetação já existente, uma preocupação constante e que marca o percurso do arquitecto. Procurou aproximar as dimensões do Museu às dos edifícios localizados em seu redor, aos quais corresponde também na escolha dos materiais e das cores utilizadas.

A Casa das Histórias Paula Rego é um espaço imediatamente reconhecível devido às suas pirâmides vermelhas situadas do lado esquerdo (no sentido de quem entra).
Foi a própria Paula Rego quem escolheu o arquitecto do projecto e este seguiu os seus desejos quanto ao design do espaço, conseguindo que este tenha todos os elementos necessários a um Museu (salas de exposição, recepção, gabinetes de trabalho, loja/livraria, auditório, cafetaria e, claro, lavabos) ao mesmo tempo que consegue transmitir um sentimento acolhedor a quem visita a Casa das Histórias. Souto de Moura optou por uma abordagem quase regionalista, criando uma relação próxima com o trabalho de Raul Lino (1879-1974), embora com uma interpretação mais contemporânea. Um trabalho que se destaca bastante do típico projecto do arquitecto, com um piscar de olho aos tectos pronunciados de Lino e à chaminé da cozinha do Mosteiro de Alcobaça – cria as tais duas torres cuja altura é apenas isso, não tendo um fim útil.

O espaço interior é dividido em quatro alas com diferentes alturas. As várias salas de exposição são sucessivas, criando um caminho expositivo de fácil intuição. A sala de exposições temporárias, com entrada e saída única, fica no centro das divisões dedicadas a exibir a Colecção.

A Colecção reúne mais de 500 obras e é composta sobretudo por obras da década de 1980, conseguindo, ainda assim, reflectir grande parte do percurso criativo de Paula Rego, [e] é constituída pela doação da artista da totalidade da sua obra gravada e por mais de duas centenas de desenhos. As várias doações da artista ao Museu realizaram-se em quatro períodos distintos: o primeiro em 2009 e que originou parte essencial da Colecção; em 2016, 2019 e 2020 com a atribuição das restantes obras gravadas produzidas entre 2009 e 2020. A Colecção alberga ainda treze obras (Pintura, Escultura, Têxtil) de coleccionadores particulares e públicos a título de depósito no Museu.* Estas últimas preenchem algumas lacunas da Colecção, permitindo uma visão da produção da artista entre 1960 e 2000.
O espólio da Casa das Histórias conta ainda com algumas obras do marido de Paula Rego, o artista e crítico de Arte Victor Willing (1928-1988).

Como mencionado, o Museu apresenta exposições rotativas da sua Colecção. A exposição patente neste momento, Colecção Casa das Histórias Paula Rego, inaugurou a 4 de Novembro de 2021 e devia ter já terminado no dia 19 de Junho de 2022, mas como, infelizmente, Paula Rego faleceu a 9 de Junho deste ano, os organismos organizadores da Casa das Histórias optaram por a prolongar por mais alguns meses, tendo a data de término marcada para dia 2 de Outubro.

Ao contrário do que tem sido comum nas já mais de vinte exposições realizadas na Casa das Histórias Paula Rego, as quais se dedicaram ou a períodos específicos de produção ou a critérios temáticos ou técnicos, a exposição actual “estabelece uma nova e estimulante leitura da Colecção, criando uma renovada apresentação do trabalho da artista, valorizando obras menos conhecidas e que habitualmente se encontram nas reservas do Museu. Apresentam-se aqui desenhos soltos e cadernos de desenho da artista, alguns deles nunca vistos publicamente.*

Por entre as tais obras soltas, há ainda espaço para algumas séries realizadas pela artista, como é o caso de “Bruxas de Pendle” e “Mutilação Genital Feminina”, esta última exibida não só pela sua importância mas também por ter sido uma das últimas doações da artista à Casa das Histórias Paula Rego.

Com curadoria de Catarina Alfaro, coordenadora da programação e conservação do Museu, trata-se de uma exposição de sentimentos fortes, tal como Paula Rego nos habituou, e que nos permite perceber a evolução da artista em termos técnicos, mas também a nível da cor e dos assuntos que mais lhe interessavam pintar, nunca deixando de lado o seu papel de artista e mulher activista. Por entre obras mais pensadas e obras mais espontâneas, confronta as suas emoções e conta histórias.
Há espaço para contos, para a representação da realidade, para personagens que evocam pessoas, mas também para os “bichos” de Paula Rego, denominados assim pela própria – animais que tomam a forma de pessoas, assumindo um novo papel no mundo, mostrando o ridículo de algumas situações a que os humanos se submetem.

A sua imagética pessoal é, assim, criada para expressar as suas emoções e sensações extremadas e reflecte a dimensão complexa das questões com que se debateu durante o seu crescimento e início da sua vida adulta: a rigidez da realidade política e social de um regime ditatorial, manifestamente patriarcal e católico, em que as sensações do medo, da ansiedade e da raiva se impunham e às quais sentiu necessidade de responder ou procurou confrontar através da pintura.*

Paula Rego, Sem Título, tinta acrílica sobre papel, 1985.

Esquerda: Paula Rego, O Cigarro, pastel sobre cartão, 2006. Colecção Brito e Abreu em depósito na Fundação D. Luís I/Casa das Histórias Paula Rego.
Direita: Paula Rego, Mãe, pastel sobre papel montado em alumínio, 2001. Colecção particular em depósito na Fundação D. Luís I/Casa das Histórias Paula Rego.

Esquerda: Paula Rego, Canção de Embalar, da série “Mutilação Genital Feminina”, água-forte e água-tinta, 2009.
Direita: Paula Rego, Noiva da Noite, da série “Mutilação Genital Feminina”, água-forte e água-tinta, 2009.

Paula Rego, Batalha de Alcácer-Quibir, lã, seda, algodão e tecidos vários sobre linho, 1966. Colecção da Câmara Municipal de Cascais.

Actualmente, a par da Colecção, há ainda exposições temporárias dedicadas a artistas mulheres com quem Paula Rego se relacionava e/ou de quem gostava.
Neste momento, e desde 10 de Março, esta sala mostra a obra de Menez (1926-1995). De seu nome Maria Inês Ribeiro da Fonseca, Menez foi uma artista autodidata que trabalhou várias técnicas desde a Pintura, a Escultura, a Azulejaria, a Cerâmica, a Tapeçaria, entre outras. Começou a pintar aos treze anos, mas só a partir dos 26 faz da Pintura uma ocupação regular, conseguindo criar uma carreira com mais de 40 anos. O Historiador de Arte José-Augusto França (1922-2021), que desde cedo teve contacto com a sua obra, descreveu-a como “fundadora portuguesa do expressionismo lírico e abstracto de influência francesa”.
Menez é, hoje em dia, considerada um dos expoentes da Arte portuguesa do século XX, embora tenha sido brevemente esquecida após a sua morte. Mesmo vendo a sua carreira acolhida tanto por críticos como por coleccionadores públicos e privados desde o início, é apenas nos anos 1990 que se torna conhecida do público.

Menez e Paula Rego tiveram um percurso semelhante e foram muito amigas, tendo-se correspondido durante décadas. Visitavam o atelier uma da outra e, segundo Catarina Alfaro, Paula Rego dizia que tirava ideias à amiga, para posteriormente aplicar nas suas pinturas.

Ao Observador, Catarina Alfaro disse que tanto uma como outra começaram as carreiras com obras de carácter Abstracto, embora o Figurativo de Paula Rego estivesse lá de forma diluída. E ambas foram, dos anos 1960 até aos anos 1980 e 1990, caminhando no sentido da figuração. Uma e outra acompanhavam com curiosidade o respectivo trabalho. Na década de 1980, ambas executaram obras que evocam temas sagrados, como calvários, crucificações, anunciações. Ambas deram atenção ao modo como organizavam a composição e como exploravam as perspectivas, com uma dimensão cenográfica. No que há grande distância é na narratividade, que não vemos na obra de Menez.***

A exposição conta com 29 obras que mostram quatro décadas de trabalhos da artista que vão do Abstraccionismo ao Figurativismo, documentando a evolução da artista a nível do que representa bem como os seus vários tipos de trabalhos. A sua maioria incide em obras de interior, nas quais mostra sobretudo ateliers, mas também de tudo um pouco, embora sempre circunscrito a espaços de alguma forma fechados. Estranhamente familiares por parecerem tão próximas da realidade do seu ambiente de trabalho (…), estas obras são projecções do seu imaginário, extensões topográficas do seu modo de “habitar” o espaço dentro e fora da pintura.” Diz-nos ainda a folha de sala que “aceitar o silêncio das suas obras, a absoluta imobilidade das suas figuras e a descontinuidade, que por vezes dá lugar à sobreposição, temporal e espacial, onde estas se inscrevem é a melhor forma de com elas nos relacionarmos. Sob a fachada da familiaridade, revelam-se inacessíveis por estarem distantes da aparência comum do mundo visível. Características que sempre se afirmaram na sua obra.**

O figurativo tem a ver com uma coisa íntima, minha.

– Menez.

Uma sala preenchida de obras coloridas, com muitos elementos a vermelho e cor-de-rosa em quase todas elas. As tais obras de interior fazem-nos sentir como voyeurs, sem nunca nos ser insinuado que aquelas pessoas pararam o que faziam por nossa causa, não criando proximidade entre quem observa e quem é observado.

A originalidade e o difícil enquadramento estilístico da sua pintura muito se devem à sua compreensão desta disciplina como um processo de afirmação pessoal, capaz de transmitir a sua visão do mundo.**

Esquerda: Menez, Sem Título, tinta acrílica sobre tela, 1987. Colecção José Lourenço Soares.
Direita: Menez, Sem Título, guache sobre papel, 1987. Colecção Caixa Geral de Depósitos, Lisboa.

Esquerda: Menez, Sem Título, aguarela e guache sobre papel, 1991. Colecção Millenium BCP.
Direita: Menez, Dança, painel de azulejo, faiança policroma sobre branco, 1990. Colecção Galeria Raton.

Menez, Sem Título (estudo original para o Memorial comemorativo do centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen), aguarela sobre papel, 1991. Colecção Galeria Raton.

A Casa das Histórias Paula Rego pode ser visitada em Cascais, de Terça-Feira a Domingo, das 10h às 18h.
A entrada tem um custo de 5€ (incluindo a exposição temporária), mas existem vários descontos aplicáveis.
Para mais informações: Fundação D. Luís I.

Referências:
Folha de sala exposição Colecção Casa das Histórias Paula Rego*;
Folha de sala exposição Menez**;
Fundação Luís I;
Visit Cascais;
ArchDaily;
Observador – Casa das Histórias prolonga exposição até 2 de Outubro em homenagem a Paula Rego;
P55.Art – Casa das Histórias: Um Projecto de Paula Rego e Souto de Moura;
Jornal N – Casa das Histórias Paula Rego e Cascais: uma relação inquebrável;
Observador – Menez, a pintora “indecifrável” e de “intensa vida interior”, cruza-se com Paula Rego em Cascais***.

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