1923 – Como era a Arte Há 100 Anos

Para dar início às publicações de 2023, não há nada como recuar cem anos na História da Arte para recordarmos o que se fazia artisticamente no ano de 1923. Por entre os vários contextos sociais e económicos da época, falo-vos um pouco dos movimentos mais marcantes e acompanho o texto com imagens de obras criadas em 1923. São vários os estilos, os artistas e os modos de representar o mundo da década de 1920 que ficou conhecida como “Os Loucos Anos 20”, os quais seguiram uma época frágil da humanidade e que, sem saberem, procediam uma ainda pior.

Diogo de Macedo, Sem Título, grafite e guache sobre papel, 1923. Centro de Arte Moderna, Lisboa. Fonte: CAM.

A Primeira Guerra Mundial gerou a desilusão para muitos artistas. Vários morreram no conflito, incluindo Gaudier-Brzeska, Boccioni e Marc. Outros responderam com a sua arte, entre eles Wyndham Lewis, Paul Nash, Augustus John, Singer Sargent e Otto Dix. Para muitos, os ideais do período pré-guerra foram destruídos.*

Há 100 anos, em 1923, o mundo artístico era um rebuliço de estilos.

Ainda num momento de rescaldo da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), há cidades a reconstruir-se e os artistas dividem-se entre mostrar os efeitos devastadores da Guerra ou optar por linguagens temáticas mais alegres e coloridas que ajudem exactamente a esquecer esse passado muito recente. A Fotografia move-se cada vez mais rápido e por isso a maior parte do que vemos representado na Pintura e na Escultura foge (ou tenta fugir) ao lado mais real do mundo, tornando-se a Arte um campo onde a experimentação é cada vez mais a sua linguagem principal.

Os Loucos Anos 20 apresentam-se como uma década de inovação, experiência e expressão pessoal. Nos Estados Unidos da América, revelam-se como uma altura de prosperidade económica com os artistas estabilizados financeiramente, o que lhes permitiu explorar novos modos criativos ao invés de recorrer a criar o que todos gostam para consegui sobreviver – podiam agora criar livremente. Os artistas revolucionavam-se, assim, contra os estilos tradicionais e que eram populares antes da Guerra. Os movimentos artísticos que se desenvolveram nesta década redefiniram o conceito de Arte e ajudaram a evoluir o que significa ser artista.

William Orpen, Para o Soldado Britânico Desconhecido em França, óleo sobre tela, 1923. Imperial War Museum, Londres. Fonte: IWM.

Constantin Brancusi, Pássaro no Espaço, mármore, 1923. MET Museum, Nova Iorque. Fonte: TheMET.

Gerrit Rietveld, Cadeira Vermelha e Azul, madeira pintada, 1918-1923. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte: MoMA.

Edward Hooper, O Telhado de Mansarda, aguarela sobre papel, 1923. Museu de Brooklyn. Fonte: WikiArt.

Os Estados Unidos da América vivem uma época próspera, pois o pós-guerra não significava para o país a reconstrução do seu património e do seu povo – algo que marcou muitos países europeus. Os Loucos Anos 20 significam, portanto, coisas diferentes para os dois continentes. Os anos 1920 na Europa fazem-se muito do stress pós-traumático dos homens voltados das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, da pobreza que assolava as cidades e da sobrevivência conseguida muitas vezes apenas com recurso ao crime.

A Arte e o mundo movimentam-se agora a uma nova velocidade mais acelerada e Paris e Nova Iorque vão disputar o trono pela capital da vanguarda. Na primeira reúnem-se sobre os artistas (de qualquer área) e os que tinham dinheiro e tempo de sobra; na segunda viam-se chegar centenas de pessoas com o intuito de atingir o chamado “sonho americano”.

Em Portugal, não há um registo forte desta rápida movimentação artística – o Orfeu pertencia já à década anterior. Tudo continuava igual e muitas são as obras que se assemelham inclusive ao que se fazia no final do século passado. Num país conservador, reprimido, escuro, atrasado culturalmente, com uma constante instabilidade política e económica e onde há pouco mais de dez anos deixara de haver Monarquia, havia uma forte resistência, sobretudo por parte da população não artística, a aceitar estas linguagens mais modernas e que optam por falar de sentimentos ao invés de mostrar realisticamente o desenho de algo com fácil percepção.
Os portugueses continuavam fascinados por Paris e era de lá que, através da imprensa, da literatura e do cinema, tiravam exemplos para as alterações que iam acontecendo por cá.

Canto da Maya, A Mulher com a Serpente, poliéster, 1923. Centro de Arte Moderna, 1923. Fonte: CAM.

José Veloso Salgado, Juventude, óleo sobre tela, 1923. Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. Fonte: Wikipedia.

Eduardo Viana, Pousada de Ciganos, óleo sobre tela, 1923. Museu do Chiado, Lisboa. Fonte: MuseudoChiado.

Falando em alguns dos estilos mais marcantes desta altura temos, por exemplo, a Art Deco, um movimento que se vai opôr ao gesto orgânico da Art Nouveau e que trabalha sobretudo as linhas e as formas geométricas de um modo minimalista e com recurso a cores vibrantes. Estando maioritariamente associado ao Mobiliário, à Arquitectura e à Joalharia, está muito presente como forma de reflectir a modernidade e a vida próspera que tanto artistas como consumidores viveram após a guerra, ilustrando a vontade de encher as casas com o melhor possível.

Ernest & Charles Schneider para Le Verre Français, Jarra com Asa, vidro fosco moldado, c. 1923. Art Déco – Colecção Berardo, Lisboa. Fonte: CatálogoArtDecoBerardo.

Embora surja na Alemanha, em 1905, o Expressionismo apanha ainda a década de 1920. Este movimento, que visa contrariar o Impressionismo e que se tornaria um dos mais influentes da História da Arte, centra-se na criação, no movimento dos pincéis e no sentimento que passa, deixando para trás a réplica da realidade. Interessa a estes artistas a representação da dor, da angústia, da violência e da depressão – sentimentos muito característicos do período em que o estilo surge, mas também no tempo pós-guerra. Artistas como Edvard Munch (1863-1944) e Wassily Kandinsky (1866-1944) – que fará também parte do movimento Abstraccionista – pintam com recurso a cores fortes e figuras distorcidas.

Edvard Munch, Primavera na Floresta de Olmo, óleo sobre tela, 1920-1923. Museu Munch, Oslo. Fonte: MeisterDrucke.

Wassily Kandinsky, Sobre Branco II, óleo sobre tela, 1923. Centro Pompidou, Paris. Fonte: GoogleArts&Culture.

Também na Alemanha, em 1919, surgira a Bauhaus. Fundada pelo arquitecto Walter Gropius (1883-1969), foi a primeira escola de design do mundo e que seguiu a vanguarda, destacando-se como uma das maiores forças modernistas no Design e na Arquitectura. O seu principal objectivo era o de unir várias artes ao mesmo tempo que também apostava no Artesanato e na Tecnologia. O seu estilo é marcado pela ausência de ornamentação e pela harmonia entre função e forma do objecto criado. Apesar de um período de vida curto, com o encerramento da escola em 1933, a Bauhaus permaneceu uma fonte de inspiração para o desenvolvimento da Arte e da Arquitectura, sobretudo na Europa Ocidental.

Paul Klee, Bauhaus Ausstellung Weimar, litografia, 1923. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte: MoMA.

Nos Estados Unidos da América, mais precisamente em Manhattan, surge, no início do século, o Harlem Renaissance, um movimento que se foca no orgulho negro e que vai mostrar o que significa realmente ser uma pessoa negra na América desta altura. Artistas como Palmer C. Hayden (1890-1973), Malvin Gray Johnson (1896-1934) e Laura Wheeler Waring (1887-1948) dividem-se um pouco por todas as áreas – Pintura, Escultura, Música, Fotografia – e foram conseguindo reconhecimento pelo seu trabalho.

Laura Wheeler Waring, The Crisis: a record of the darker races, 1923. Biblioteca Pública de Nova Iorque. Fonte: DigitalCollections.

Também na Fotografia se dão desenvolvimentos importantes com o metal a tornar-se parte integrante da construção de uma câmara. A tecnologia fotográfica avança ao ponto dos fotógrafos terem agora a possibilidade de ver qual o resultado final de uma imagem antes de a capturar. A década de 1920 é uma importante fase de experimentação nesta área, sendo que vários artistas apostam também nas colagens, montagens, ângulos dramáticos e close-ups. Uma altura marcada por trabalhos de Man Ray (1890-1976), Alfred Stieglitz (1864-1946), Ansel Adams (1902-1984), entre outros.

Man Ray, Objecto para Destruir, fotografia a preto-e-branco e madeira, 1923-1933 (cópia do original, 1982). Museu Reina Sofia, Madrid. Fonte: ReinaSofia.

Esquerda: Dorothea Lange, Torso, São Francisco, fotografia impressa, 1923. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte: MoMA.
Direita: Alfred Stieglitz, Georgia O’Keeffe, fotografia impressa, 1923. Museum of Modern Art, Nova Iorque. Fonte. MoMA.

Apesar de todos estes novos caminhos, vemos ainda quem decida voltar um pouco ao mundo clássico. Tal é o exemplo de Pablo Picasso (1881-1973) que, depois de uma visita a Itália, em 1917, vai adoptar uma abordagem clássica dos grandes mestres. Não deixa, no entanto, de inserir nesta estética algo fundamental desta década de 1920: a liberdade de se exprimir conforme quer, não estando preso a ideais pictóricos.

Pablo Picasso, Harlequim com Espelho, óleo sobre tela, 1923. Thyssen-Bornemisza Museo Nacional, Madrid. Fonte: Thyssen.

O termo “experimentação”, que já foi aparecendo por aqui, será mesmo o mais adequado para definir a actividade cultural desta época. Experimentar novos estilos e novos temas, como a sexualidade, a tecnologia e o progresso social, traduzindo algo inovador e dinâmico que dá palco sobretudo à expressão pessoal e ao pensamento dos movimentos Avant-Garde.

Sabemos nós agora que toda esta loucura antevia uma nova paragem: na América, em 1929, com a Grande Depressão; na Alemanha/Europa com a subida de Hitler ao poder, em 1936 e consequentemente com o início da Segunda Guerra Mundial; em Portugal com o golpe militar de 1926 que leva ao fim da Primeira República e que mais tarde, em 1933, levaria ao nascer ao Estado Novo.

Esquerda: Henri Matisse, Odalisca Sentada com os Braços Levantados, Cadeira Verde às Riscas, óleo sobre tela, 1923. Galeria Nacional de Arte, Nova Iorque. Fonte: NGA.
Direita: Robert Delaunay, Retrato de Tristan Tzara, óleo sobre placa de papel, 1923. Fonte: Museu Reina Sofia, Madrid. Fonte: ReinaSofia.

Taikan Yokoyama, Metempsychosis, pintura japonesa, 1923. Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio. Fonte: GoogleArts&Culture.

Quatro pontos rápidos sobre 1923:
– é nesta época que Georgia O’Keeffe (18871986) se torna popular;
– no México, Frida Kahlo (1907-1954) dava já os primeiros passos para seguir a sua vontade artística;
– o movimento Dada terminara no ano anterior;
– no ano seguinte, em 1924, surge a publicação do Manifesto do Surrealismo, movimento que vai dar ainda mais importância ao mundo mental e não tanto ao físico.

Frida Kahlo, Auto-Retrato, óleo sobre tela, 1923. Fonte: Kahlo.

Salvador Dalí, Auto-Retrato com “L’Humanité”, têmpera, óleo e colagem sobre cartão, 1923. Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres. Fonte: Gala-Dalí.

Os Loucos Anos 20, época de renovação artística, prosperidade, procura de prazer e de usufruto da vida nocturna, marcam, efectivamente, uma altura em que os artistas deram aso à sua liberdade, desafiando a tradição e redefinindo o que é afinal Arte e ser artista. Fica para trás o supérfluo e há agora uma exploração mais afincada da mente, das emoções e dos pensamentos. Uma época de inovação que abriria portas para os movimentos modernos e contemporâneos que surgiram nas décadas que se seguiram.

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Referências:
Newall, Diana, Compreender a Arte – Uma Valiosa Ajuda para a Interpretar e Apreciar, Editorial Estampa, 2008*;
Hancock Historical Museum – Art Movements of the 1920s;
Observador – Anos 20: A Década de todas as (Des)ilusões;
Widewalls – Take a Ride Back in Time to the 1920s Art.

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