As Quatro Estações do Museu Nacional de Soares dos Reis

Hoje, dia 20 de Março de 2023, assinala-se o Equinócio de Primavera. Claro que o proximArte não vai deixar passar a data e este ano vai, até, alterar um pouco as coisas: em vez de um artigo que se foque apenas na estação que se inicia, vai ser abordada uma série completa relativa às quatro estações do ano.

Deste modo, comecemos pela série que integra a colecção do Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, a qual pertence à Escola Italiana dos séculos XVII-XVIII, mas cujas obras não têm um pintor atribuído.

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Primavera (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Em todas as pinturas vemos uma dama em traje exuberante acompanhada por um vulto. Este vulto encarna a estação retratada em cada uma destas obras e está coberto por elementos naturais como flores, folhas, frutos, vegetais, etc., associadas exactamente à estação do ano que representa, numa alusão às obras do também pintor italiano Giuseppe Archimboldo (1527-1593). Esta é a vista geral das quatro obras, mas falemos agora de cada uma delas individualmente, começando pela estação a que damos as boas-vindas no dia de hoje: a Primavera.

Primavera

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Primavera – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Primavera (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Neste caso, a dama que vemos à esquerda da composição faz-se acompanhar por um vulto coberto de flores e frutos, simbolizando assim a Primavera. Por entre rosas, peónias, cerejas e framboesas esta figura à direita mostra-se ela própria como um ser feminino, o que comprovamos pelos lábios carnudos, o colar e os brincos feitos com cerejas e um corte do vestido floral que se assemelha a um decote em barco. A própria figura transporta uma taça com alguns frutos. Atrás dela, vemos um céu aberto azul e com alguns toques de cor-de-rosa, o que permite a esta alegoria sobressair. Olha na direcção da mulher que se encontra à sua direita e que, por sua vez, nos encara. Esta personagem sobressai com a sua pele de um fundo escuro que, no entanto, quase engole as suas vestes castanhas de seda com pormenores dourados. O seu cabelo está apanhado de forma volumosa e ornamentado com muitos elementos dourados. Ainda no pescoço desta dama vemos um fino fio de ouro que lhe adorna também o peito e que contrasta grandemente com o colar de cerejas da outra figura. Nas suas mãos podemos ainda ver um pequeno apanhado de flores presas por um fio; será algo que vai ofertar e colocar na alegoria primaveril ou até uma prenda que esta lhe possa já ter dado.

Verão

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Verão – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVIII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Verão (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVIII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

O vulto da obra que representa o Verão está coberto de frutos que se reportam a essa época, como melancias, pêras e maçãs, tendo também um adorno feito de espigas de trigo na cabeça. Este trigo faz a ligação com a dama que se coloca à esquerda da alegoria veranil e que na mão direita segura exactamente uma espiga. Esta dama enverga um vestido em tom salmão e tem uma capa dourada que lhe cai pelos ombros; o apanhado de cabelo é adornado com algumas pérolas e com fita vermelha que se destaca do escuro do cabelo. Tal como vimos em Primavera, o vulto está à frente de um céu azul e aberto, enquanto a figura sobressai com a sua pele clara de um fundo mais escuro da obra. As duas figuras olham-se com segurança, mostrando que não são estranhas. Uma composição marcada sobretudo por tons escuros e quentes, dos quais ressaltam a cor da pele e o vestido da figura feminina. Enquanto em Primavera podíamos associar o vulto como também pertencendo ao universo feminino, este Verão estará certamente mais próximo do mundo masculino.

Outono

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Outono – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVIII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Outono (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVIII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Também em Outono temos um vulto coberto de frutos, neste caso uvas, romãs e marmelos. Esta figura encarna um pouco a imagem do Deus Baco, tendo uma coroa com folhas de videira e mostrando-se pronto a ingerir um cacho de uvas. Ainda assim, podemos também associá-la ao universo feminino, devido ao colar de maçãs vermelhas pequenas que lhe percebemos na zona do pescoço. A dama de corte que se situa à sua direita olha o observador e enverga um vestido escuro na zona do corpete e branco nas mangas; acompanha-a também uma capa dourada e são muitos os detalhes nessa cor que sobressaem na sua indumentária. Tal como temos vindo a verificar nas restantes obras, a cor de pele desta figura destaca-se de um fundo escuro que ocupa apenas esta metade da composição, enquanto os tons verdes e quentes do vulto outonal estão perante um céu aberto e azul. A dama tem um apanhado no cabelo do qual sobressaem pérolas e elementos de ouro; no pescoço vemos, à semelhança do que verificamos em Primavera, um fino fio de ouro que se prolonga pelo peito. Nas mãos segura também um cacho de uvas, num gesto que acompanha o vulto a seu lado, embora não se mostre com intenções de o comer.

Inverno

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Inverno – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Autor Desconhecido – Escola Italiana, Inverno (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Esta quarta e última obra destaca-se em relação às outras pelo simples facto de que a dama que aqui vemos enverga um traje exótico e não um traje de corte. Sendo Inverno, a sua pele aparece mais tapada com estes tecidos de seda azuis escuros e de onde ressalta um grande laço vermelho na zona do peito; na cabeça, em vez do habitual apanhado verificado nas restantes três obras, há um turbante em tom claro. No peito desta figura não vemos qualquer colar, mas nas duas orelhas balançam brincos compridos; já nas mãos segura um pote de azeite. Ela olha para o vulto invernal que está à esquerda da composição e que a olha também. Nesta figura alegórica destacamos uma cara que se assemelha a um pássaro e um chapéu composto por uma couve; o resto da sua indumentária é composta por mais vegetais e frutos como cebola, pêras, limões, laranjas, várias cabeças de alho e ainda cherovias que passam por dedos. É, sem dúvida, uma figura associável ao universo masculino e que nos parece também mais envelhecida do que as restantes, mostrando como é possível relacionar estas alegorias com o passar do tempo do mundo e da paisagem que caracteriza cada estação com as fases de vida do seu humano – nascer, viver e morrer. Ao nível do fundo vemos exactamente o mesmo tratamento que nas obras anteriores: a dama sobressai de uma mancha escura na composição, ao passo que a alegoria está perante um céu aberto, este com alguns tons alaranjados. É, com certeza, a composição mais escura das quatro obras.

Esquerda: Autor Desconhecido – Escola Italiana, Verão (detalhe)– série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVIII. Museu Nacional de Soares dos Reis.
Direita: Autor Desconhecido – Escola Italiana, Inverno (detalhe) – série das Quatro Estações, óleo sobre tela, século XVII. Museu Nacional de Soares dos Reis.

Estas quatro pinturas constituem, então, a série As Quatro Estações, o que obriga a uma leitura conjunta da qual resultam as fáceis comparações que nos levam a descobrir semelhanças e diferenças entre elas: em duas o vulto está à esquerda e nas outras duas à direita; em duas a dama olha para esse vulto, enquanto nas restantes olha para nós, o seu observador; em todas elas há diferenciação do fundo para a dama e para a figura alegórica; os vultos são, em todos os casos, tratados como se fossem naturezas-mortas e a vida provém da pele clara de todas as damas.

Sendo esta uma série que segue as características da Arte Barroca, vemos o grande trabalho de claro-escuro e ainda toda a exuberância das formas, dos tecidos e das cores, resultando em quatro obras que se associam ao despertar dos sentidos, uma tendência deste estilo artístico em questão.

Resta agora esperar que os dias e os meses que se seguem nos tragam tudo o que a Primavera tem de bom, nomeadamente toda a cor que dá vida às cidades e aos campos a partir das flores e das árvores – mesmo que isso signifique um número sem fim de alergias.

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